Notícias

01/02/2022
Por: Equipe Fundo Dema
Assunto: Notícias
Leitura: 15 minutos

Comunidades das Ilhas de Abaetetuba denunciam violações de direitos por empresas e órgãos públicos

Representantes das comunidades tradicionais das Ilhas de Abaetetuba, em conjunto com diversas organizações sociais, entre elas a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE)/Fundo Dema, protocolaram hoje (01), naPROMOTORA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE ABETETUBA (PA), documento contendo denúncias sobre graves irregularidades praticadas pelas empresas Brick Logística e Cargill. S.A, em conluio com órgãos públicos.

Entre as irregularidades e violações de direitos, o documento cita a apropriação do Território Tradicional denominado Projeto de Assentamento Agroextrativista Santo Afonso, assim como os impactos ambientais e nos modos de vida das comunidades com a instalação de Terminal Portuário de Uso Privado, sem que houvesse uma Consulta Prévia, Livre e Informada às famílias da localidade.

As organizações pedem imediata apuração das graves irregularidades, assim como a adoção de todas as medidas jurídicas e políticas necessárias para assegurar a responsabilidade civil, administrativa, trabalhista e criminal das empresas envolvidas em violação de Direitos Humanos.

LEIA ABAIXO A ÍNTEGRA DO DOCUMENTO

EXCELENTÍSSIMA PROMOTORA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE ABETETUBA

Nós, que abaixo, assinamos este documento, vimos ao Ministério Público do Estado do Pará denunciar as irregularidades praticadas pela empresa Brick Logística e Cargill. S.A, pelos fatos e motivos a seguir descritos:

1 – DA FORMA DE AQUISIÇÃO DA ÁREA – TÍTULO DE TRASPASSE

As empresas Brick Logística e Cargill. S.A desde meados de 2014 promovem atos irregulares para obtenção em área de um apossamento irregular localizado na Ilha de Urubueua se dizendo proprietários de uma área de 388 hectares.

Seu pretenso direito estaria alicerçado num Título de traspasse expedido e assinado pelo prefeito Francisco Maués Carvalho em favor de Claudio Roldão Lopes Sereni e sua esposa Ana Silva Sereni, Nestor Marques da Rocha e sua esposa Joana da Silva Rocha, lavrado no livro n° 96(noventa e seis) folha 343 (trezentos e quarenta e três) em 03/06/2003. Este documento deu origem à matrícula nº 2675 no livro 2, ficha 001 no Cartório de Registro de Imóveis de Abaetetuba.

Analisando esta matrícula se verifica que os “proprietários” originais, em 03 de junho de 2003, venderam o imóvel para Maria Francisca Gama dos Santos. Maria Francisca, em 30 de setembro de 2011, vendeu à KF de Menezes Consultoria Logística LTDA que posteriormente mudou a razão social para Brick Logística LTDA (Registro 05 da matrícula).

Denuncia-se que este apossamento é irregular porque está incidindo no Projeto de Assentamento Agroextrativista – PAE Santo Afonso, instituído por meio da Portaria INCRA nº 37, de 28 de novembro de 2005, publicada no Diário Oficial da União nº 229, seção 1, página 110, do dia seguinte. A área do projeto é de 2.705,6259 hectares, na Ilha do Xingu. Destaca-se que na hora de ser criado este assentamento o CRI de Abaeteuba atestou na área não havia matrícula, conforme, certidão contida no processo de criação do PAE (Fonte: INCRA, Processo de nº 54100.001927,12005-81)

Outrossim, em 20/12/2016 a prefeitura da Abaetetuba expediu outro título de traspasse em favor da empresa Brick Logística Ltda sobre o mesmo imóvel já objeto do documento emitido em 03/06/2003 e que já tinha sido levado à registro imobiliário. Esta duplicidade de títulos de traspasse emitidos sobre a mesma área para pessoas diferentes leva a uma primeira pergunta: a prefeitura detém um cadastro dos imóveis que concedeu ao longo do tempo?

Evidente que trata de constituição de um suposto domínio privado de forma irregular pois incide sobre uma área que pertence a comunidade do PAE Santo Afonso e que desobedece às regras previstas na Constituição Federal e normas infraconstitucionais, já que a própria prefeitura não tem competência agrária e fundiária sobre o território em questão.

No processo administrativo SEI nº 54000.084888/2020-14 apresentado ao INCRA e processo administrativo SEI nº 197391065552/2021.67-SPU os reclamantes escreveram: “Do ponto de vista legal se observa a nulidade absoluta do registro imobiliário, diante da notória incompetência do ente público municipal em regularizar terras públicas circunscritas em patrimônio da União, conforme disposto no art. 20 da Constituição Federal.”

No que se refere a confecção de título de traspasse na vigência do Código Civil de 2002 proibiu-se a constituição de novas enfiteuses e subenfiteuses, mantendo o instituto, com as alterações dos seus parágrafos, apenas para as já existentes (art. 2038).

Aliás, a partir de 11/01/2003 a Corregedoria do Interior do Tribunal de Justiça do Estado do Pará identificou nas Correições Ordinárias, que várias Prefeituras do interior continuaram e continuam a expedir Títulos de Aforamento, sendo registrados (matriculados) nos Cartórios de Registro de Imóveis, o que se constituiu em procedimento irregular tanto da municipalidade como do serviço de registro. Nesse sentido baixou o Provimento Nº 006/2005-CJCI que dispõe sobre a proibição da constituição de enfiteuses e subenfiteuses pelo artigo 2038 do Código Civil de 2002. A prefeitura estaria violando um Provimento da Corregedoria.

Em 16/04/2020 a Superintendência do Patrimônio da União no Estado do Pará – SPU/PA solicitou ao CRI do 1º Ofício de Abaetetuba, a abertura, em nome da União, da Matrícula nº 6409 do Lv nº 2, Ficha 001, com uma área de 3.588,888,24m², isto é 358,88824 ha.

Analisando esta Matrícula se comprova a impossibilidade jurídica da Prefeitura emitir títulos em áreas que pertencem à União por determinação constitucional:

Terreno dentro do perímetro da ILHA DE SANTO AFONSO, sem sede municipal e localizado em zona onde se faz sentir a influência de marés, sendo, por força constitucional (inciso IV do Art. 20 da CF/88 c/c; art. 10, incisos “c”, do Decreto-Lei n. 9.760 de 5 de setembro de 1946), de domínio inequívoco da União, em obediência ao Art. 2°, inciso III, IN 02/2018, onde reza “III Áreas de domínio indubitável da União: são aquelas cujas características físico-ambientais e identidade espacial, por si, são suficientes para vincula-las ao domínio patrimonial da União Estabelecido no Art. 20 da Constituição Federal de 1988 […] (grifo nosso).

O próprio Cartório de Registro de Imóveis de Abaetetuba, em 17/04/2020, reconheceu indiretamente a impossibilidade de utilizar um documento expedido pela Prefeitura como base para a abertura de uma matrícula localizada em terras da União, na Av.-08-2.675 quando encerrou a mesma por ter aberto uma matrícula sobre o mesmo imóvel em nome da União.

Infelizmente, ao longo dos diferentes processos administrativos nem o INCRA, nem a SPU, nem a AGU, verificaram que este título e esta matrícula são nulos, pois foram emitidos em terras da UNIÃO por quem não tinha qualquer possibilidade jurídica de os emitir.

A Superintendência do Patrimônio da União no Estado do Pará – SPU/PA, em 31/10/2019 concedeu a Inscrição Administrativa em Regime de Ocupação, do imóvel com área de 1.704.946,07 m2, conceituado como de marinha e rural, situado no Município de Abaetetuba, em favor da KF DE MENEZES CONSULTORIA LOGISTICA e solicitou ao Incra a verificação de sobreposição da área requerida com projetos de assentamentos agrários, bem com, o solicitou a informação acerca da dimensão do módulo fiscal definido para aquela região.

A própria SPU constatou que a área pertencia do Projeto Agroextrativista e identificou que, em consulta ao processo 04957.002960/2005-89 (3254759), que trata do pedido de transferência do domínio do imóvel rural denominado Ilha Xingu para criar o Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE).

Analisando as matrículas nº 2675 no livro 2, ficha 001 e o R1 da matrícula nº 6409 do Lv nº 2, ambas do Cartório de Registro de Imóveis de Abaetetuba, se percebe a repentina valorização do imóvel:

Em 03 de junho de 2003, Claudio Roldão Lopes Sereni e sua esposa Ana Silva Sereni, Nestor Marques da Rocha e sua esposa Joana da Silva Rocha venderam para Maria Francisca Gama dos Santos o imóvel pelo valor de: R$13.324,87 (treze mil, trezentos e vinte e quatro reais e oitenta e sete centavos) (matrícula nº2675 no livro 2, ficha 001).

No dia 30 de setembro de 2011 Maria Francisca Gama dos Santos vendeu o imóvel à KF de Menezes Consultoria Logística LTDA no valor de R$ 700.008,72(setecentos mil e oito reais e setenta e dois centavos (matrícula nº 2.675 no livro 2, ficha 001 consta no Registro 05).  

Em de 31/10/2019 a União recebeu pela constituição do Título de Aforamento R8 que corresponde a R$1.636.522,09 (um milhão e seiscentos e trinta e seis mil e quinhentos e vinte e dois reais e nove centavos). Já em 03/08/2020 a empresa BRICK LOGISTICA Ltda transmitiu o domínio útil para CARGILL AGRÍCOLA S.A consolidando o Registro R2 da Matrícula nº 6409 do Lv nº 2 R5 que corresponde ao valor de R$53.241.370,74 (cinquenta e três milhões e duzentos e quarenta e um mil e trezentos e setenta reais e setenta e quatro centavos), um aumento de 3.153,32%

Os números acima dispensam qualquer comentário: o enriquecimento ilícito de um particular beneficiado com um imóvel público.

Além desta apropriação “legal”, pois os documentos foram emitidos pela SPU que é o órgão federal competente para administrar as terras da União, mas “ilegítima”, pois este aforamento se sobrepõe a uma área já destinadas há mais de dezesseis anos pelo INCRA para populações tradicionais que sequer foram consultadas quando se concretizou a usurpação de seu território, no EIA-RIMA apresentado à SEMAS no processo de licenciamento a área pretendida é de 540 hectares e não os 388 deferido no Aforamento: mais uma tentativa de grilagem perpetrada pela empresa contra o patrimônio público e o território tradicional.

Por todo exposto, indicamos a irregularidade de constituição do título de traspasse que foi usado como requisito para certidão de ocupação na área junto a SPU sob o RIP 0401.0100632-11, com ocupação comprovada do imóvel desde 20/10/2004, conforme Certidão de Outorga lavrada em 20 de março de 2018 requerendo a apuração das irregularidades e em seguida o cancelamento do título e nulidade de todos os atos de constituição da área pretendida pela Cargill.

2- DO ESTUDO IRREGULAR DE IMPACTO AMBIENTAL E DA AFETAÇÃO NA VIDA DAS COMUNIDADES.

A empresas Brick Logística substituída por Cargill S.A pretendem instalar em área pertencente à comunidade tradicional do PAE Santo Afonso um Terminal Portuário de Uso Privado – TUP Abaetetuba de acesso total através de rios, que receberá cargas de grãos da região Centro-Oeste do país, especialmente dos Estados do Pará, Maranhão, Piauí, Tocantins, Rondônia e Mato Grosso (EIA, 2017).

Nesse sentido promoveu o processo de licenciamento ambiental, em sua versão prévia, em 6.4.2016, pelo antigo detentor do Imóvel onde se pretendia instalar o TUP através de protocolo de nº 2017/0000039590 perante o órgão ambiental competente, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (SEMAS/PA), nos termos do art. 225, §1º, IV, da Constituição Federal c/c art. 10 da Lei 6.938/1981 e art. 8º da Lei Complementar 140/2011.

Dando continuidade a este processo de licenciamento, a CARGILL requereu Licença Prévia do empreendimento com a apresentação do EIA/RIMA atualizado, em 24.11.2017. Posteriormente a Cargill promoveu algumas alterações no layout do empreendimento pretendido e em seguida, complementou o EIA/RIMA apresentado, realizando estudos complementares, inclusive incluindo a caracterização das comunidades, além de modelagens matemáticas (para além do previsto no Termo de Referência) para avaliação de impactos.

 Em 04.12.2018, foi protocolado um novo Estudo de Impacto Ambiental, elaborado pela Ambientare Soluções Ambientais Ltda que se encontra no sítio https://www.semas.pa.gov.br/wp-content/uploads/2019/07/RIMA_TUP_Abaetetuba.

pdf

Registra-se que no diagnóstico do meio socioeconômico do EIA (2018) que o Relatório de impacto ambiental constatou a existência de apenas uma comunidade quilombola em um raio de 10 km do empreendimento, a Comunidade Nossa Senhora do Bom Remédio. O EIA identificou que dos 20 projetos de assentamentos agroextrativistas presentes na base de dados oficiais do INCRA, apenas 6 estão sujeitos a impactos diretos do empreendimento.

Sobre o fundamento no artigo 216, II da Constituição Federal para que cumpra a obrigação constitucional de manutenção do ambiente equilibrado e a garantia da qualidade de vida, biodiversidade, produção de alimentos para os ribeirinhos vimos denunciar e esclarecer o seguinte:

  1. O Estado do Pará deixa de tomar as medidas necessárias concedendo a licença previa para a Cargill, sem que houvesse a consulta as comunidades impactadas desconsiderando a decisão das comunidades impactadas e as respectivas avalições dessas famílias na fase do licenciamento do terminal portuário de Abaetetuba violando a Convenção n° 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais e Jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, com a necessidade do controle de convencionalidade;
  • No Plano de Utilização, pactuado entre os assentados do PAE Santo Afonso e o INCRA, com a colaboração da EMBRAPA, validado pela Portaria nº 75, de 22 de agosto de 2007, publicado no DOU nº 189, seção 1, p. 98, de 01 de outubro de 2007, fica expressamente vedada a instalação de empreendimentos industriais, conforme está descrito no item 43;
  • O mapa contido no Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) elaborado pela empresa Ambientare corresponde a 540,00 hectares controlados pela multinacional não apenas 388 hectares, inclusive com a instalação de cerca elétrica para impedir o acesso de moradores. A imagem abaixo já identifica terreno de assentando com indicação de muro para impedir acesso da comunidade;


                Ocupação da área o estudo apresentando TUP Abaetetuba

                            Fonte: EIA, 2018.

Cerca da empresa BRICK LOGISTICA, na várzea da comunidade São José – Ilha Xingu

                                          Fonte: Pesquisa de campo. Foto: Nelson Bastos (2018).

  • No estudo de Impacto ambiental foi identificada a pesca artesanal como instrumento central dos modos de vida das comunidades de pesca artesanal, sendo fundamental na geração de renda e meio de obter alimentação para a família, mas o estudo aponta o mínimo impacto, ocorre que o estudo deixa de atestar que há 120 pesqueiros nas áreas de mar ao redor da Ilha do Capim que são utilizados pelos pescadores diariamente. Estes pesqueiros são locais de pesca onde ocorre maior concentração de peixe. Os pescadores da Ilha do Capim capturam em média 80 toneladas de peixe por ano destas zonas de pesca que beneficia 188 famílias de pescadores tradicionais.
  • Outro aspecto importante é a navegabilidade das grandes embarcações na área onde pretende-se instalar o TUP-Abaetetuba, pois, as comunidades já enfrentam as violações decorrente das poluições dos rios, além da existência de boias sem sinalização e grande quantidade de barcaças que já estão sendo inseridas nos rios próximo as ilhas do Xingu e do Capim prejudicando a trafegabilidade das embarcações que transportam passageiros dos rios, principalmente à noite, além das disputas das pequenas embarcações nos rios que tem já gerado acidentes com navios, além promoverem no futuro o fenômeno das terras caídas nos territórios devido as águas de lastro transportadas pelos navios abastecidos pela Cargill Agrícola S.A. O EIA RIMA indica baixo impacto e com a linguagem técnica prejudica o entendimento da comunidade sobre o tema;
  • O EIA RIMA, não apresenta estudos sobre o impacto na navegação, e na área de impacto direto circulam dezenas, se não, centenas de pequenas embarcações de madeira utilizadas pelos pescadores artesanais e como único meio de transporte;
  • Existem mais de 60 espécies de peixe nas áreas de mar da Ilha do Capim e todos possuem alguma forma de uso, seja como fonte de renda monetária, consumo familiar ou insumo. Essa importância dos recursos pesqueiros para vida das famílias é omitida no relatório de impacto ambiental ao dizerem que apenas quatro espécies tem importância econômica. Além disso, desconsideram o valor não mercantil dos recursos pesqueiros gerados pela produção de insumos. A avaliação considera apenas o valor de mercado que não corresponde a racionalidade de uso dos bens da natureza pelas comunidades locais. Toda essa riqueza de bens pesqueiros está ameaçada pela implantação do Terminal de Uso Privado (TUP) da Cargill e pelas demais empresas atuantes no corredor hidroviário. Se este terminal for implantado, todos os pesqueiros serão destruídos. Isso ocorrerá porque as cruas (montes submersos de pedra ou areia) onde estão os pesqueiros terão que ser destruídos para facilitar a passagem de barcaças e navios.
  • Na área de mar denominada “Furo do Capim”, onde a Cargill pretende implantar seu porto, existem quatro cruas de pedra. No entorno destes pedregais, do Furo do Capim, há mais de 50 pesqueiros. Além disso, há uma crua de areia entre a Ilha do Capim e a Ilha do Marajó onde também há pesqueiros que serão destruídos porque não é possível passar navios neste local sem que seja feito derrocamento da crua. O relatório de impacto ambiental omite a necessidade de derrocamento das cruas de pedra (pedregais) e da crua de areia;
  • No estudo .de impacto ambiental não foi observado que já há impedimento da pesca por barcaças que estão ancoradas por meio de boias nos mesmos locais onde estão os pesqueiros. Isso está reduzindo a captura de peixe pelos pescadores;
  1. Já houve redução de pescado nos pesqueiros devido ao barulho dos motores das barcaças, os pescadores afirmam que esse barulho “espanta” o peixe, ou seja, aumento do tráfego por barcaças promoverá a extinção da pesca no local.
  1. É incontestável que já há destruição ambiental de uma crua chamada de “Rodrigues” devido a força das hélices das balsas, pois, balsas já provocaram danos na crua pelo movimento das hélices. O pesqueiro ainda está sendo utilizado, porém com danos podendo ser extinto com a instalação do Tup.
  1. As comunidades indicaram que há constante deposição de combustíveis fósseis na água pela tripulação das barcaças, deposição de grãos de soja e milho no fundo do mar. Estes grãos são ingeridos pelos peixes e há possibilidade de estarem contaminando a alimentação dos pescadores porque são produzidos com agrotóxicos;
  1. De acordo com as comunidades, é na lavagem dos porões de navios e barcaças que são derramados grãos de soja e milho encontrados no intestino dos peixes capturados, além de óleo, piche e coque, que são produtos derivados do petróleo que passaram a poluir as águas e a estragar as redes dos pescadores. Nessas narrativas há uma grande preocupação dos agentes sociais com o aumento dos casos de morte na comunidade causados por câncer no estômago, assim como alergia na pele, nos olhos, queda de cabelos constantes, fortes dores de barriga, desidratação, diarreias, vômitos e náuseas, causadas pela ingestão de água do rio, que é usada para o consumo doméstico. Esse TUP está sob responsabilidade do grupo Cargill Agrícola S.A. que prevê a “movimentação de aproximadamente 9 milhões de toneladas de cargas por ano, com a predominância de granéis sólidos de origem vegetal” (EIA, 2017, p. 3);
  1. No RIMA foi identificado que tem duas espécies de peixe boi ameaçado de extinção na localidade. Porém, o relatório não identifica impacto do TUP na possível extinção local desta espécie. O peixe boi nada principalmente em profundidades menores que cinco metros. Portanto, esta espécie poderá ser extinta com o aumento do tráfego de navios e barcaças que podem se chocar com estes peixes durante a navegação.
  1.  No RIMA a Cargill aponta apenas poucas espécies de peixe de valor econômico. Ocorre que documento, anexo, os representantes dos pescadores assinam indicam que toda a fauna aquática tem valor para os pescadores;

  1. Com o transporte e transbordo de barcaças graneleiras (soja e milho) para exportação na Ilha do Capim no Tup Abaetetuba, ficará inviável o consumo daquelas águas, quanto sua navegação pelos ribeirinhos (FURTADO; OLIVEIRA, 2019). Para subsidiar a irregularidade apontada cita-se dados do instituto Evandro Chagas que em 2018 publicou no sítio https://www.iec.gov.br. “que os povos e comunidades tradicionais das ilhas de Abaetetuba e Barcarena, estão consumindo água contaminada, pois, os dados de alumínio e ferro dissolvido nos rios Pará (áreas próximas praias de Sirituba e Beja), Guajará de Beja, Arapiranga, igarapés do Curuperé e Dendê e tributário do Tauá mostram níveis de metais bem acima dos limites da resolução Conama 357/2005”;

Fonte: Marcos Cardoso, 2021

  1.  No estudo Relatório de impacto ambiental a empresa Cargill nega a existência de unidades de conservação próximas. Na Ilha do Capim tem uma reserva ecológica de 180 hectares a menos de 1 km de distância do local do porto da Cargill. Segue anexo o Diário Oficial da União Nº 18, segunda-feira, 27 de janeiro de 2014- id nº ISSN 1677-7042 comprova-se a criação da reserva através da Portaria 30, de 15 de setembro de 2013;
  1.  No RIMA a empresa Cargill não identifica as comunidades locais como povo tradicional. Segue o link da dissertação que identifica o povoamento da ilha do Capim a mais de 245 anos como comunidade tradicional:http://repositorio.ufpa.br/jspui/bitstream/2011/10231/1/Dissertacao_TransicaoAgroecologica.pdf;
  1. Menciona e alerta sobre o Estudo de Componente Quilombola e Estudo do Componente das comunidades tradicionais, conforme previsto na Portaria Interministerial nº 60/2015 e com fundamento na Convenção nº 169 da OIT, na Constituição Federal que, precisaria alcançar todos os territórios étnicos entorno do PAE Santo Afonso, PAE Santo Antônio, Nossa Senhora do Livramento e Comunidade Quilombola do Bom Remédio. Sabemos que a Cargill Agrícola S.A. está irregular, e que a SEMAS tem participação/responsabilidade direta nos danos causados pela Cargill, uma vez que ala concedeu as licenças sem ouvir os povos tradicionais.
  •  O documento aponta diversas violações de direitos como a desapropriação das terras, cercamentos, autoritarismo, violência empresarial, controle sobre os recursos naturais, territorialização, especulação imobiliária, assédio moral e territorial. Isso tem causado doenças psicológicas em muitos moradores em virtude da possibilidade de deslocamento forçado, pois sabem que o projeto Cargill é apenas a ponta do “iceberg” que submerge a paisagem do Baixo Tocantins;

POR TODO O EXPOSTO, apontamos que a instalação do empreendimento acarreta violação de direitos humanos as comunidades tradicionais que vivem próximos ao empreendimento e infringem diversas legislações nacionais e internacionais. Cita-se a Convenção 169, a Constituição Federal de 1988, o Decreto nº 591/1992, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969, ratificada pelo Brasil no Decreto 678/1992, especialmente no que se refere ao direito à vida e à integridade pessoal (artigos 4 e 5), às garantias judiciais de acesso à justiça (artigos 8 e 25), à proteção da honra e da dignidade (artigo 11); Decreto nº 10.088, de 2019, a violação da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (Decreto nº 6.040/2007), que reconhece e consolida os direitos dos povos e comunidades tradicionais, garantindo seus direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais, em diferentes biomas e ecossistemas, em áreas rurais ou urbanas. Do mesmo modo, ataca-se a Resolução nº 4, de 11 de março de 2020, capítulo I, § 5º, o qual assinala que “o Estado deve assegurar a eficácia dos instrumentos legais para acesso à informação que sejam úteis à prevenção, apuração ou reparação de violações aos Direitos Humanos”;

Diante do exposto requeremos providências por parte do “Parquet”, uma vez que o Estado é responsável por promover, proteger, respeitar e aperfeiçoar os mecanismos de prevenção e reparação de Direitos Humanos violados no contexto de atividades empresariais, devendo adotar todas as medidas jurídicas e políticas necessárias para assegurar a responsabilidade civil, administrativa, trabalhista e criminal das empresas envolvidas em violação de Direitos Humanos (Resolução Nº 4, de 11 de março de 2020).

Abaetetuba, 01 de fevereiro de 2022.

Associação Cáritas Diocesana Dom Ângelo Frosi – Abaetetuba.

Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional – FASE/Amazônia.

CAGROVAIA: Conselho das Associações Agroextrativistas das Ilhas e Várzeas de Abaetetuba.

Associação do Projeto de Assentamento Agroextrativista Santo Antônio II.

Movimento dos Ribeirinhos e Ribeirinhas das Ilhas e Várzeas de Abaetetuba (MORIVA).

Fundo Dema.

Frente em Defesa dos Territórios.

Comissão Pastoral da Terra (CPT) – Região da Guajarina.

Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Pará (FETAGRI-PA)

Central Única dos Trabalhadores (CUT)

Associação dos Moradores da Ilhas de Abaetetuba (AMIA)

Clínica de Direitos Humanos da Amazônia do Programa de Pós Graduação em Direito da Universidade Federal do Pará