Experiência do Fundo Dema e Agenda Climática pautam último dia do Seminário Nacional Amazônia Agroecológica
A capacidade de gestão do Fundo Dema foi destacada por instituições apoiadoras e organizações parceiras e um referencial de apoio a projetos de povos e comunidades tradicionais
Por Élida Galvão
O terceiro dia do Seminário Nacional de Agroecologia (10/04) foi marcado pelo diálogo sobre os Fundo Comunitários. A programação foi iniciada com a exibição do vídeo “Fundo Dema por Justiça Socioambiental e Climática na Amazônia – Somos a Floresta”, apresentando algumas iniciativas apoiadas por meio da Chamada Pública Unificada Amazônia Agroecológica. Durante a mesa da manhã, o Fundo Dema apresentou dados preliminares sobre os resultados da Chamada Pública, que apoiou 38 iniciativas comunitárias de povos indígenas, comunidades quilombolas, agroextrativistas, assentados e camponeses, nas regiões da Transamazônica/Xingu, BR 163/Tapajós, Baixo Amazonas e nas áreas de atuação da Coordenação Estadual das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará (MALUNGU).
Iniciando a programação do dia, Graça Costa, presidenta do Comitê Gestor do Fundo Dema, falou sobre os resultados alcançados ao longo da vigência do Projeto Amazônia Agroecológica, realizado em parceria com a FASE e o apoio do Fundo Amazônia. Entre as informações registradas no Sistema de Informações de Dados do Fundo Dema, foram destacadas as mais de 200 comunidades alcançadas, mais de 7 mil famílias beneficiadas, com mais de 11 mil pessoas atingidas. Além disso, até o momento foram recuperados mais de 26 mil hectares de áreas degradadas, alcançados mais de 8 mil hectares de floresta manejada, plantadas cerca de 160 mil mudas de espécies frutíferas e nativas da Amazônia em área definitiva, construídos mais de 80 viveiros de mudas, mais de 70 quintais produtivos agroecológicos e 50 Sistemas Agroflorestais (SAFs).
De acordo com a presidenta Graça Costa, os números ainda podem sofrer alterações, já que as iniciativas comunitárias finalizam a execução de suas atividades até setembro próximo. “São quase 3 milhões de Reais distribuídos nessas iniciativas apoiadas. Junto com esses resultados, também temos resultados que não são numéricos e que vêm através do fortalecimento das organizações comunitárias. Muitas organizações apoiadas fazem menção, durante as ações de monitoramento, sobre o quanto estes projetos da Chamada Pública animaram e rearticularam a comunidade depois de um evento que muitas vezes a gente não dá a devida dimensão”, disse ela.
Luta e resistência
Resgatando o histórico de criação do Fundo Dema, o qual teve grande protagonismo, o procurador regional do Ministério Público Federal, Felício Pontes, falou sobre a importância de Fundos comunitários no apoio a iniciativas de populações tradicionais, com o objetivo de defender a Amazônia, seus povos e territórios.
“O modelo predatório tem cinco atividades econômicas que nos perseguem: madeira, pecuária, mineração, monocultura e energia. São sempre altas empresas que estão defendendo um desses 5 modelos de um lado e de outro lado, povos e comunidades tradicionais. Os projetos apoiados por Fundos, como o Fundo Dema ressalta, para que a gente possa mostrar resultados”, disse o procurador, que também chamou a atenção para a urgente necessidade de conter o desmatamento para frear as mudanças climáticas. “Estamos com uma taxa de desmatamento da Amazônia de 20% e podemos adentrar no ponto de não retorno. Portanto, o modelo [predatório] que eles implantaram não deu certo. Um outro modelo tem que vir, o modelo dos povos e comunidades tradicionais, que precisa de recurso para se implantar de uma maneira urgente para salvar o planeta. Vejam o tamanho da importância de cada um desses projeto [comunitários] que parecem pequenos, mas que podem ser macro e esse é o nosso grande desafio, de fazer com que eles se ampliem de forma muito rápida em um curto espaço de tempo, sob pena de não mais termos condições climáticas de fazermos a manutenção da floresta”, conclui.
Escola política
O sistema de governança e a capacidade de gestão do Fundo Dema é um diferencial bastante destacado por instituições apoiadoras e organizações parceiras, que apontam a experiência do Fundo Dema enquanto um referencial de apoio a projetos comunitários de povos e comunidades tradicionais da Amazônia.
“O Fundo Babaçu também bebeu dessa sabedoria do Fundo Dema. Do nosso ponto de vista, o Fundo Dema representa, além da justiça climática, a justiça social, porque fortalece vozes comunitárias e territoriais de mulheres, jovens, agroextrativistas, povos indígenas e comunidades tradicionais. É um fortalecimento social de uma camada que representa a diversidade social. Também representa a justiça econômica, com a geração de renda, a diversificação da economia, que são instrumentos importantíssimos para a garantia dos territórios, e como trabalhar, como atuar com os recursos da agricultura familiar, com os recursos da agroecologia fortalecendo uma economia de base familiar, de base comunitária, de base territorial, que de fato também garante a permanência nos territórios, fortalece o protagonismo e também é uma justificativa para a conservação e preservação das florestas, das águas, do solo e de toda a sociobiodiversidade”, pontuou Luciene Figueiredo, representante do Fundo Babaçu, que integra a Rede de Fundos Comunitários da Amazônia.
Sistema de Informações
Com o objetivo de garantir que o acompanhamento dos projetos seja registrado de forma mais qualificada, o Fundo Dema implantou um Sistema de Informações de Dados, onde são abastecidas todas as informações enviadas pelas organizações por meio de relatórios. Além disso, o Sistema contribui na gestão financeira institucional, bem como no controle das prestações de conta das iniciativas apoiadas. Este foi um dos elementos destacados por Leonardo Pamplona, representante do Fundo Amazônia.
“O exemplo que foi dado do Sistema de Informações do Fundo Dema é muito interessante, porque é uma forma de expandir, de melhorar a acessibilidade aos dados e de controle da prestação de contas. Os recursos servem para ensinar [a organização comunitária] a caminhar, a lidar com a gestão e cada vez mais acessar recursos de créditos, acessar o sistema financeiro”, disse Leonardo.
Articulação em Rede
Outro ponto destacado por Graça foi a estratégia política de diversos fundos comunitários da Amazônia por meio da articulação em rede. Esta também foi uma demanda apontada pelo Planejamento Estratégico do Fundo Dema, como uma proposta que vem também do Comitê Gestor e das discussões que se dão nesta instância.
“Através da Rede de Fundos, nós estamos hoje numa escala maior, numa perspectiva mais amazônica, numa agenda internacional fazendo incidência no debate sobre a filantropia e a cooperação. Em rede, a gente constitui uma força maior pra essa perspectiva de apontar as políticas públicas, de fazer incidência junto ao governo, de melhorar a qualidade das iniciativas que estão colocadas nesse campo da agroecologia com uma proposta que vem pra qualificar não apenas o processo de produção, mas também todo um processo de fortalecimentos da nossa sociobiodiversidade”, relata Costa.
“O exemplo que foi dado do Sistema de Informações do Fundo Dema é muito interessante, porque é uma forma de expandir, de melhorar a acessibilidade aos dados e de controle da prestação de contas. Os recursos servem para ensinar [a organização comunitária] a caminhar, a lidar com a gestão e cada vez mais acessar recursos de créditos, acessar o sistema financeiro”, disse Leonardo.
Valéria Paye, representante da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), no Comitê Orientador do Fundo Amazônia (COFA), e também representante do Fundo Podáali na Articulação de Fundo Comunitários, falou sobre o protagonismo das populações tradicionais na execução e gestão de seus projetos e experiência que o Fundo Dema leva a outros Fundos comunitários. “O Fundo Dema nos demonstra muito isso, que é possível o recurso ser recebido e ser repassado às nossas organizações e comunidades em nossos territórios e eles serem os executores. Não é o Fundo Dema quem faz, ele apoia. Quem diz o que tem que fazer e como faz os seus projetos são as comunidades. O Fundo Dema contribui nas incidências, nos processos de captação de recursos e na democratização desses recursos para as nossas organizações, comunidades, nossos territórios”.
Durante o diálogo, Luciene reiterou o exemplo do Fundo Dema na democratização do acesso a recursos. “O fortalecimento da relação o Fundo Dema com as comunidades, com os povos e os povos fortalecendo o Fundo Dema, é dessa relação que cresce o quadro social, a luta, a organização local. O Fundo Dema tem dado, o Fundo Babaçu é exemplo disso, um grande acordo para a democratização do acesso dos financiamentos do clima, a experiência mostra que é possível, sim, as comunidades, as organizações, os territórios, os povos fazerem a gestão dos recursos. São 20 anos fazendo essa gestão e a experiência do Fundo Dema anima todos outros Fundos da Rede e nos encoraja a buscar recursos para fortalecer os territórios e as comunidades locais”.
Regularização fundiária e agenda climática
A programação do Seminário foi encerrada, com a mesa “Desafios para a efetivação do direito à terra e território e democratização do financiamento climático na Amazônia, com a participação”, onde foram discutidas questões fundiárias e o acesso à terra.
De acordo com Julianna, do Núcleo de Política e Alternativas (NUPA) da FASE, ao longo de 36 anos da implantação da Constituição Federal, a política econômica e de desenvolvimento do governo tem sido a de favorecimento de setores como o agronegócio e a mineração, que demandam da terra como um ativo importante. Quando isso acontece, essas atividades acabam por emitir grande parte dos gases de efeito estufa na terra. “As áreas que têm mais desmatamento, que são ocupadas pelo agronegócio, elas vão ser muito menos controladas porque tem todo uma política fundiária para tentar regularizar essas terras visando a regularização fundiária, mas num caminho que pensa menos na proteção desses territórios e mais a possibilidade de colocar esses territórios no mercado”.
Segundo Malerba, cerca de 30% das terras de povos indígenas e comunidades tradicionais estão sob controle comunitário com muitos limites, pois tratam-se de assentamentos de reforma agrária, ambientalmente diferenciados, Unidades de Conservação de Uso Sustentável, Terras Indígenas, Terras Quilombolas. No entanto, existe uma demanda muito maior do que os 30% são capazes de abarcar enquanto reconhecimento de terras de populações tradicionais, o que tem se tornado um grande desafio aos movimentos sociais, já que existe uma disputa muito pelo acesso à terra. “Então hoje, a gente está vivendo desafio enorme, de captura forte dessas terras e também está atravessada por um contexto novo, que não é um contexto novo só de um novo governo progressista que está conosco, mas um contexto novo onde a agenda climática e ambiental está pautando cada vez mais as políticas de regularização fundiária, as políticas de controle sobre a posse e a propriedade no Brasil”.