Audiência pública discute impactos de hidrelétricas no Tapajós
Por Élida Galvão
Fundo Dema
Para não dar chance à repetição de violações de direitos e aos impactos ambientais, a exemplo dos que continuam ocorrendo em meio ao processo de construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, na região do Xingu, em Altamira, o Ministério Público Federal (MPF) no Pará convidou toda a sociedade civil, representantes de órgãos públicos, dos movimentos sociais, além de povos tradicionais e público acadêmico, para participar de audiência pública marcada para esta sexta (29), em Santarém. O objetivo é possibilitar que a população discuta previamente sobre as irregularidades e os possíveis impactos socioambientais provocados, caso a construção da hidrelétrica São Luiz do Tapajós, no Rio Tapajós, oeste do Pará, seja concretizada pelo governo federal.
Diversas são as pesquisas que apontam os impactos sobre o ecossistema e as consequências negativas que irão sofrer os povos tradicionais e a população local com a barragem sobre o rio Tapajós. Entre os dados que serão compartilhados para a melhor compreensão do projeto estão os estudos de Philip Martin Fearnside, doutor em Ciências Biológicas e um dos ganhadores do Prêmio Nobel da Paz em 2007, por chamar a atenção do mundo para os riscos do aquecimento global.
Em 2015, o grupo de especialistas o qual Fearnside integra publicou uma avaliação crítica do Estudo de Impacto Ambiental e do Relatório de Impacto Sobre o Meio Ambiente (EIA/Rima) do aproveitamento hidrelétrico São Luiz. Autor de ‘Hidrelétricas na Amazônia: impactos ambientais e sociais na tomada de decisões sobre grandes obras’, entre outros estudos, o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) terá a companhia de representantes do MPF e demais especialistas que apresentarão irregularidades no licenciamento e falhas e omissões nos estudos ambientais da Usina de Belo Monte.
De forma a traçar um paralelo com a experiência negativa daquela usina, serão relatados os estudos do ‘Dossiê Belo Monte’ e ‘Atlas dos Impactos da UHE Belo Monte Sobre a Pesca’ feitos Instituto Socioambiental (ISA). Além da apresentação de pesquisas acerca dos impactos sociais, ambientais, econômicos e turísticos por especialistas, os indígenas e ribeirinhos terão a oportunidade de expor seus pontos de vista a respeito do projeto previsto para o Tapajós.
Para Sara Pereira, educadora da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE) Amazônia, e que acompanhará a audiência pública, este é um importante momento para que os povos indígenas, assim como os pescadores, ribeirinhos, agroextrativistas, estudantes, organizações de mulheres, organizações populares urbanas, sindicais e religiosas possam somar esforços para demonstrar que os projetos de usinas hidrelétricas na Amazônia causam danos irreversíveis ao meio ambiente e aos povos da região. “As barragens no Tapajós vão causar não somente a morte do rio, da floresta, mas também a morte da vivência comunitária harmoniosa, das relações com os sagrados espíritos da natureza. A morte das tradições culturais e da dignidade dos povos amazônidas”, pontua.
Entre as questões pautadas para a audiência estão: o desmatamento na região oeste do Pará, abordado pela doutora Ane Auxiliadora Costa Alencar, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam); a situação energética no país, abordada pelos doutores Celio Bermann, da Universidade de São Paulo (USP) e Ricardo Lacerda Baitelo, do Greenpeace Brasil; os indicadores que apontam o descumprimento da determinação judicial de realização da consulta prévia, livre e informada, abordado por Rodrigo Magalhães de Oliveira, membro do Centro de Información de la Consulta Prévia; o patrimônio arqueológico e imaterial a ser eventualmente impactado pela hidrelétrica, abordado pelos professores de arqueologia da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) Bruna Cigaran da Rocha e Raoni Bernardo Maranhão Valle; o estudo da organização Conservação Estratégica (CSF) sobre a hidrelétrica, por Camila Jericó-Daminello, mestre em Ciências Ambientais e especialista na avaliação e valoração de serviços ecossistêmicos; a possibilidade de aumento dos níveis do mercúrio em áreas de barragens e seus riscos à saúde humana, bem como a inexistência da análise desse tema nos estudos de impactos ambientais da hidrelétrica do tapajós, por Érik Leonardo Jennings Simões, médico neurocirurgião que atua em Santarém.
A audiência pública está prevista para iniciar às 14h, no auditório da Associação Comercial e Empresarial de Santarém (Aces), localizado na Praça da Bandeira (também conhecida como Praça da Matriz), 565, no centro de Santarém.
Munduruku
Considerando a consulta prévia, livre e informada prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), assinada pelo Brasil, durante a audiência os indígenas Munduruku apresentarão o Protocolo de Consulta Munduruku, um documento que estabelece como o governo federal deverá consultá-los sobre qualquer projeto que possa afetar suas vidas e seus territórios, como é o caso da UHE São Luiz do Tapajós, cuja construção poderá atingir as 130 aldeias atualmente existentes no Alto, Médio e Baixo Tapajós.
Além de reivindicar a consulta prévia em seu território, os Munduruku também exigem que o governo federal garanta o direito à consulta a outros povos isolados, como os Apiaká e os Kayabi, e ainda aos ribeirinhos que também poderão ser atingidos pelas barragens no rio Tapajós, como os das comunidades Montanha e Mangabal, Pimental e São Luiz.
A demarcação da Terra Indígena Sawré Muybu é outro ponto da reivindicação do Protocolo. Isso porque, desde agosto de 2015, a Fundação Nacional do Índio (Funai) deixou de cumprir a sentença judicial que ordenava o prosseguimento da demarcação desta TI pertencente aos índios Munduruku. À época, uma gravação feita pelos próprios índios da fala da presidente da Funai, Maria Augusta Assirati, e que fora incluída nos altos do processo, afirmava que a demarcação só estava paralisada por pressão do setor elétrico do governo federal. Com isso, a pedido do MPF, a Justiça Federal de Itaituba multou a Funai em R$ 3 mil por dia de descumprimento da decisão.
A construção do Protocolo de Consulta Munduruku é resultado do trabalho coletivo assessorado pelo ‘Projeto Consulta prévia, livre e bem informada: um direito dos povos indígenas e comunidades tradicionais da Amazônia’ e pelo Ministério Público Federal, e que contou ainda com o apoio da FASE, do Fórum da Amazônia Oriental (FAOR), Fundação Ford, Conselho Indígena Missionário (Cimi), Nova Cartografia Social e Greenpeace.
Beiradeiros
Assim como os indígenas, os ribeirinhos conhecidos como beiradeiros das comunidades Montanha e Mangabal também apresentarão seu protocolo de consulta que trata do direito à consulta prévia garantido na Convenção 169. Morando à beira do rio Tapajós, os beiradeiros também reivindicam que os moradores de outras comunidades, como Mamãe-Anã, Penedo, Curuçá, Pimental, São Luiz, Vila Rayol, bem como os indígenas das aldeias Chico Índio, Terra Preta (Apiaká), e ainda dos Munduruku, possam ser consultados antes de qualquer projeto que possa afetar seus modos de vida.
Reivindicando uma consulta coletiva, os beiradeiros pedem a inclusão dos moradores mais antigos, dos jovens, das mulheres, dos professores que lecionam na comunidade, do guarda de endemia, dos dirigentes das igrejas, dos pequenos comerciantes e dos moradores nascidos em Montanha e Mangabal, que não moram mais na comunidade, mas que sempre retornam para participar das manifestações tradicionais.
Assim como o Protocolo dos Munduruku, a construção do Protocolo de Consulta dos beiradeiros foi elaborada pelos participantes do ‘Projeto Agroextrativista Montanha e Mangabal’, realizado pela Associação de Moradores das Comunidades Montanha e Mangabal e contou com o apoio do MPF, FASE, FAOR, Fundação Ford, Cimi, Nova Cartografia Social e Greenpeace.
Acesse aqui o protocolo de Consulta Munduruku
Acesse aqui o Protocolo de Consulta Montanha e Mangabal
Acesse aqui a íntegra do edital de convocação da audiência pública
Serviço:
Audiência pública sobre irregularidades e possíveis impactos da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós
Data: 29 de janeiro
Hora: 14h
Local: Auditório da Associação Comercial e Empresarial de Santarém (Aces), localizado na Praça da Bandeira, 565, no centro de Santarém (PA).