A agricultura familiar e o agroextrativismo têm sido a alternativa encontrada por meninos e meninas que vivem na Amazônia para resistir à pressão que tenta empurrá-los para as periferias das cidades. São, também, uma forma de não abandonar as comunidades onde moram os familiares desde muitas gerações.
Marilene Rocha é presidenta da Casa Familiar Rural de Santarém, uma escola no estado do Pará voltada para filhos e filhas da agricultura familiar. “Hoje, nós estamos muito satisfeitos de estar lutando contra o agrotóxico e de buscar a agroecologia, porque agroecologia é vida”, afirma.
Em atividade desde 1999, a escola vem formando técnicos e técnicas em agropecuária. No total, são 49 estudantes, a maioria jovens de 17 a 21 anos.
Mas há também agricultores e agricultoras experientes, como é o caso de Edilena Cristina, 48 anos, da comunidade São Francisco, no rio Arapiuns, que vive a seis horas de barco do centro de Santarém. “Eu tinha necessidade de aprender melhor como cuidar da galinha caipira, da abelha nativa, como plantar em uma área pequena mas com diversificação de produção”.
Edilena está prestes a se formar como técnica em agropecuária, e ao mesmo tempo, concluir o ensino médio pela Casa.
A Casa Familiar Rural adota a Pedagogia da Alternância, proposta de ensino que mescla períodos de internato na escola com períodos de aplicação supervisionada dos conhecimentos na propriedade ou comunidade onde o estudante mora, como explica Werlison Sousa, coordenador pedagógico da escola. Ele conta como é o cotidiano dos estudantes: “Quando está na escola, ele passa um período integral. Aqui é manhã, tarde e noite. Tem uma rotina durante uma semana, durante quinze dias. E os quinze dias restantes eles passam na comunidade aplicando o conteúdo, o plano de estudo e as atividades que saíram do tempo escola, que é esse momento aqui na alternância, para o tempo comunidade.”
Além de passar pelas disciplinas curriculares, os estudantes precisam desenvolver e sistematizar um Projeto de Vida. O estudante Sávio Freitas, da comunidade Henrique Mendes explica como funciona. “A gente tem a chance de estar elaborando um projeto, e o meu é de suínocultura. Ao implementar esse projeto na minha comunidade, eu posso estar empregando os comunitários para estarem me ajudando no projeto, elaborando pequenas oficinas na minha propriedade, onde eles poderiam estar chamando gente de fora. Lá eu ensino eles a castrar, a vacinar, assim eu vou ensinando e eles já vão implementando na propriedade deles e ensinam seus vizinhos.”
O estudante Davi Santos, de Parauá, escolheu como Projeto de Vida desenvolver um Sistema Agroflorestal na sua comunidade. “Dá de produzir mandioca, tudo consorciado, milho, pimenta do reino, cupú. Lá, como só plantam mandioca, em determinados períodos abrem uma grande área, destruindo uma grande parte da floresta. E com o conhecimento que eu tenho, falo pras pessoas que dá de se produzir mais nesse pequeno local. A gente fazendo consorciamento de culturas, em todo o período do ano vai ter alimento pra gente, não vai faltar dinheiro, porque tudo que se planta, vende”, conta.
Para a estudante Darlen Sarmento, a vivência com colegas agricultoras na Casa Familiar Rural influencia o sentimento de pertença ao campo. “Eu me inspiro na Dona Edilena que tem um conhecimento bem amplo e ela também nos ajuda bastante. E sou feliz em falar que sou uma agricultora familiar e filha de produtor rural.”
Os que já se formaram continuam aplicando o que aprenderam na escola no dia-a-dia do trabalho, como conta Silvano Martins, que trabalha na Assistência Técnica e Extensão Rural. “Foi o conhecimento que tive na Casa Familiar Rural de Santarém que levou a essa percepção para o produto orgânico, onde é muito mais saudável para as pessoas e para o nosso organismo também.”
Um dos desafios é manter a casa funcionando, pois conta com pouco apoio governamental. Em tempos em que o modelo predatório do agronegócio avança sobre a amazônia, a Casa Familiar Rural é um ótimo exemplo de fortalecimento das comunidades que vivem da agricultura familiar e do agroextrativismo.
Edição: Anelize Moreira