Em entrevista, procurador Bruno Valente fala sobre o caso Haidar
O procurador Bruno Valente (à direita) conversa com a equipe do Fundo Dema |
Dois anos depois da tragédia com o navio cargueiro Haidar, que saia do Porto de Vila do Conde com destino à Venezuela, e que naufragou com cinco mil bois vivos e cerca de 700 toneladas de combustível no rio Pará, em Barcarena, o Ministério Público Federal oficializou o acordo feito com as empresas responsáveis pelo ocorrido. O acordo foi firmado no dia 06 de fevereiro, em audiência pública na justiça federal, em Belém. A FASE/FUNDO DEMA foi uma das entidades escolhidas por administrar parte do recurso destinado às indenizações para as famílias afetadas. Neste caso, com o recebimento do recurso, o FUNDO DEMA irá desenvolver estratégias políticas para a indenização por danos morais coletivos.
A tragédia causou danos sociais, ambientais e econômicos imensuráveis à população local e até hoje o navio continua no fundo do rio. Com a contaminação dos recursos hídricos, centenas de famílias ficaram sem água potável para as suas necessidades, sem a possibilidade de se alimentar da pesca e nem viver deste tipo de economia. Em entrevista, o procurador no estado do Pará, Bruno Valente, falou ao FUNDO DEMA sobre o acordo estabelecido com as empresas envolvidas no desastre.
FD – De que forma ficou acertada a indenização? O que havia sido solicitado inicialmente e o que ficou acordado?
Bruno – O acordo prevê indenização pelos danos individuais e coletivos. No primeiro caso, o valor ficou em R$ 10.650.000,00 e, no segundo, em R$ 3.050.000,00. A petição inicial não especificou a totalidade da indenização pedida, já que parte seria definida em um processo posterior chamado de liquidação de sentença.
FD – Quais as empresas responsabilizadas pela tragédia? Foi fácil chegar a este acordo com elas? Os valores foram os mesmos estipulados a cada uma?
Bruno – Minerva (exportadora da carne), CDP (administrador do porto), Norte Trading (operadora portuária) e Tâmara Shipping (proprietária da embarcação). A negociação foi complexa e se estendeu por mais de um ano. Os valores negociados levaram em consideração, além do impactos, o porte econômico de cada uma.
FD – Porque a escolha do Fundo Dema para gerir parte do recurso da indenização? De que forma ocorreu essa decisão?
Bruno – Foi realizado um levantamento de iniciativas similares no Estado do Pará e se selecionou três para uma apresentação pessoal. Ao final, os órgãos públicos autores da ACP [Ação Civil Pública] entenderam que o Fundo Dema seria o mais adequado em razão de sua experiência e expertise em áreas muito importantes para Barcarena.
FD – Quais os órgãos e entidades envolvidos/as nesta batalha? Quais parcerias vocês tiveram?
Bruno – Ministério Público Federal e Estadual, Defensoria Pública Federal e Estado, além das Procuradorias do Município, Estado e União. Também contamos com parcerias de voluntários, como o grupo de pesquisa da Professora Luciana Fonseca (CESUPA) e o pesquisador Tarcísio Feitosa. Além das entidades que irão promover a execução financeira do acordo, que é a FASE, no caso dos danos coletivos, e IIEB, no caso dos danos individuais.
FD – Quais os próximos passos e prazos para a concretização das ações deste acordo?
Bruno – Agora é necessário realizar o acompanhamento das etapas de sua execução, que já foram fixadas. Também está em andamento um aspecto muito importante, que consiste na finalização da lista das famílias que receberão as indenizações individuais, que provavelmente é o aspecto mais complexo de todo o trabalho.
FD – Como você analisa as consequências sociais e ambientais dessa tragédia? Quais os prejuízos disso tudo no território? Existe algum estudo que quantifique isso?
Bruno – É muito difícil estimar o impacto total, até mesmo diante da ausência de um estudo específico. Penso que pescadores e comerciantes relacionados a atividades de turismo sofrerão prejuízo muito importante, assim como os moradores das localidades de Vila do Conde e comunidades próximas. Sem falar na questão das milhares de carcaças que se encontram enterradas no Município, sendo necessário o monitoramento para verificar se não há contaminação (este ponto foi inclusive previsto no acordo).
FD – Quais as maiores reclamações das famílias atingidas?
Bruno – A reiteração de acidentes ambientais na região, além da demora em obterem algum tipo de assistência e no recebimento das indenizações.
FD – Mesmo diante da gravidade deste desastre, o que se espera enquanto perspectivas para a mudança da realidade local?
Bruno – Que a atividade seja aperfeiçoada, de modo a diminuir os riscos e que haja a previsão de planos de emergência para o caso de imprevistos. Além disso, que haja uma maior preocupação, dos órgãos envolvidos, com o Município de Barcarena, palco de dezenas de acidentes ambientais nos últimos anos, já que é sede de um grande distrito industrial e vem se consolidando cada vez mais como um importante centro portuário.