NOTA DE REPÚDIO
Nós, Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Estado do Pará – Malungu, viemos à público manifestar nosso extremo repúdio à fala racista do Ouvidor-Geral do Ministério Público do Pará, Procurador de Justiça Sr. Ricardo Albuquerque da Silva, que, na manhã do dia 26/11/2019 na sede do Ministério Público em frente a uma turma de alunos do curso de Direito da Faculdade Integrada Brasil Amazônia – FIBRA proferiu as seguintes palavras:
”Não acho que tenhamos dívida nenhuma com quilombola. Nenhum de nós aqui tem navio negreiro. Nenhum de nós aqui, se você for ver sua família há 200 anos atrás, trouxe um navio cheio de pessoas da África para ser escravizadas no Brasil. E não esqueçam, vocês devem ter estudado história, que esse problema da escravidão no Brasil foi porque o índio não gosta de trabalhar até hoje. O índio preferia morrer do que cavar a mina, do que plantar para os portugueses. E foi por causa disso que eles foram buscar pessoas nas tribos, lá na África, para vir substituir a mão de obra do índio aqui do Brasil. Isso tem que ficar claro. Ora! Se na minha família ? me desculpe você aí ? se na minha família não tem nenhuma pessoa que tenha ido buscar um navio negreiro lá na África, como é que vou ter dívida com negócio de Zumbi? Com esse pessoal? Não tenho! Não precisa ser gay, ser negro, ser índio, ser amarelo, ser azul, pra ser destinatário de alguma política pública. Isso está errado. O que tem que haver, meus amores, é respeito, respeito mútuo. Eu te respeito, você me respeita, acabou a história. O resto é papo furado, tá entendendo? Isso tudo só faz travar a sociedade.”
O Brasil foi o último país a abolir a escravidão no mundo, 38 anos depois de aprovar uma Lei de Terras, em 1850, que instituiu a propriedade privada somente por meio de compra e venda. Os escravizados sequer eram considerados pessoas, sendo objetificados, superexplorados, violentados, oprimidos e assassinados em massa. A grande diáspora forçada que originou a escravidão no Brasil teve como consequência um verdadeiro genocídio da população negra.
Logo, é imperioso notar que a causa da escravidão jamais foi a resistência indígena nos seus territórios e que falas desse nível visam enfraquecer a potente aliança entre povos indígenas e quilombolas em prol da garantia de direitos territoriais, bem como outros direitos econômicos, sociais e culturais.
Além disso, é imprescindível admitir a dívida histórica que permanece em relação à população negra, especialmente a quilombola no País, e que somente a aceitação dessa questão estrutural subsidiada em políticas públicas específicas para essas comunidades podem iniciar a reparação necessária, que nunca ouve.
A própria Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu essa dívida em relação ao Brasil e em Assembleia Geral, por meio da Resolução nº 68/237, de 2 de dezembro de 2013, proclamou a Década Internacional de Afrodescendentes, com início em 1º de janeiro de 2015 e fim em 31 de dezembro de 2024.
No mês da Consciência Negra, negar a dívida histórica que o Brasil tem com os descendentes das populações que foram escravizadas, das quais muitas delas são quilombolas e se territorializam em quilombos hoje em dia, além de fato imoral é criminoso. Tipifica-se em ação de discriminação de raça, cor e etnia contra todos e todas as integrantes de comunidades quilombolas, descumprindo o art. 20, § 2º da Lei Federal nº 7.716, de 05 de janeiro de 1989.
Por isso, exigimos do Ministério Público do Estado do Pará que, o quanto antes, manifeste-se sobre o ocorrido, investigue o caso e puna o envolvido.
Racistas, não passarão! Zumbi dos Palmares, presente!