Comitê de Combate à Violência no Campo convoca para ato público
Por Élida Galvão
Fundo Dema
Integrantes dos movimentos sociais se unem para cobrar justiça social e a punição dos culpados
Em reunião ocorrida na última segunda-feira (29), diversos militantes e representantes de entidades e grupos dos movimentos sociais fizeram uma análise conjunta sobre a chacina ocorrida no dia 24 de maio, na fazenda Santa Lúcia, localizada no município de Pau D’Arco, Sudeste do Pará. O encontro resultou na formação do Comitê Paraense de Combate à Violência no Campo, que já promove atos de vigília nesta quarta-feira (31), a ocorrer em Belém e em Santarém (PA).
O bárbaro crime vitimou dez pessoas, entre elas uma trabalhadora, Jane Oliveira, que era presidente da Associação dos Trabalhadores Rurais Nova Vitória, e outros nove trabalhadores do campo, sendo sete da mesma família, que acampavam próximo à fazenda e lutavam pela democratização do acesso à terra. De acordo com nota divulgada pela Liga dos Camponeses Pobres do Pará e Tocantins, juntamente com a Comissão Nacional das Ligas de Camponeses Pobres, o terreno em questão está localizado em área pública, pertencente ao Estado, mas que se tornou império de grilagem por parte da família de Honorato Babiski.
Os camponeses e camponesas responsabilizam os Governos Estadual e Federal pelo massacre e os acusam de ser coniventes com a violência no campo, tanto por não promover reforma agrária, quanto pelo envolvimento da polícia com a morte de trabalhadores rurais. “Estas terras só não estão nas mãos e sendo lavadas pelos camponeses por que [sic] o Estado é corrupto, ladrão, e defende e protege os latifundiários (…) A culpa é do governo do Estado, Simão Jatene, PSDB! A culpa é da DECA [Delegacia de Conflitos Agrários]. A culpa é da quadrilha de Temer, Meireles e desse congresso de bandidos!”, denunciam os trechos finais da nota.
Segundo informações do Amazônia Real, a fazenda Santa Lúcia começou a ser ocupada por trabalhadores sem terra em 2013. De lá pra cá, o Incra nunca conseguiu garantir os direitos dos camponeses em reivindicação à área pública, abrindo espaço para a morosidade do processo e a conquista de ações de reintegração de posse por parte do fazendeiro. Em meio a um momento de conflito, um dos seguranças particulares foi morto com um tiro na cabeça. Com isso, os trabalhadores e trabalhadoras rurais ali acampados passaram a ser apontados como responsáveis pelo episódio. No entanto, no último dia 24 de maio, em cumprimento ao mandado de prisão expedido pela justiça estadual, policiais civis e militares protagonizaram um verdadeiro massacre contra homens e mulheres do campo.
Inicialmente a versão destes policiais envolvidos era de confronto, porém, os relatos de sobreviventes e as investigações dão conta de que as vítimas foram mortas sem chance de defesa, uma vez que os corpos apresentavam perfurações nas costas e a cena do crime foi modificada com o deslocamento destes corpos antes da chegada da perícia, sem contar que nenhum policial foi ferido.
Responsabilidade do Estado
A situação ocorre no tempo em que a Comissão Pastoral da Terra (CPT) divulga o cenário de conflitos no campo, ocorridos no Brasil no ano de 2016. De acordo com dados do último relatório anual, o ano que passou carregou consigo a marca de um dos mais violentos para os povos do campo. A análise aponta que o preocupante aumento da violência no campo está fortemente relacionado com a crise política e financeira no país.
Os dados da CPT assustam. Até 2016, 1.295 ocorrências relacionadas a conflitos de terra já haviam sido registrados no Brasil. Somente nos cinco primeiros meses de 2017, antes da chacina em Pau D’Arco, o registro era de 37 mortes. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra, a situação se agrava diante da morosidade do Estado em promover Reforma Agrária. De acordo com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), “em todo o país, são mais de 120 mil famílias à espera em acampamentos para serem assentadas”.
Frente a uma realidade de injusta estrutura social e grande concentração fundiária no país, a morosidade governamental dos últimos 20 anos em promover Reforma agrária só intensifica os conflitos agrários. A situação se agrava com ilegitimidade do governo Temer, cujas ações só favorecem os latifundiários e fortalece o avanço do agronegócio no país, a exemplo da contradição entre a permanência do Ministério da Agricultura, que estimula a agricultura empresarial, e a extinção do Ministério de Desenvolvimento Agrário, que era voltado ao apoio à agricultura familiar.
No meio deste episódio em Pau D’Arco, a violência simbólica contra os/as trabalhadores/as do campo e o discurso de heroísmo policial foram fortemente utilizados por representantes políticos da bancada da bala, entre eles os deputados federal, Éder Mauro, e estadual, Neil, na tentativa de criminalizar a luta dos/as camponeses. No dia 29, ambos convocaram uma comitiva rumo a Redenção para fortalecer a intimidação à luta dos movimentos sociais.
Para os representantes dos movimentos sociais, não se pode aceitar o discurso que criminaliza a luta dos/das trabalhadores/as do campo pela garantia de direitos. “A paralisação completa da reforma agrária é a raiz de todo o problema. A primeira responsabilidade é do Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária], que desmantelou seu serviço em função da Reforma Agrária. Esse Governo irresponsável e golpista tem gerado um clima de instabilidade no país. Segundo, isto foi um crime de Estado, pois quem cometeu a chacina foram agentes públicos do Estado, subordinados ao governador do estado do Pará. Não dá para negligenciar esta responsabilidade”, disse Ulisses Manaças, liderança do MST no Pará, durante reunião do Comitê.
Representantes da bancada da bala tentam inverter a responsabilidade dos assassinatos criminalizando os/as trabalhadores do campo.
A história se repete
As 19 vítimas do Massacre de Eldorado dos Carajás, Dorothy Stang, José Cláudio Ribeiro, Maria do Espírito Santo, Chico Mendes, Ademir Federicci, são algumas das dezenas de vidas ceifadas no campo nos últimos 25 anos, frente à luta pela Reforma Agrária.
Para o presidente do comitê gestor do Fundo Dema, Matheus Otterloo, o descaso com a Reforma Agrária no Brasil aumenta a pressão do capital aos pequenos agricultores. Com isso, a proposta de uma agricultura familiar, baseada em princípios agroecológicos e que cuida da alimenta básica do povo brasileiro, não está sendo viabilizada, causando tensões constantes no campo.
“O desrespeito aos Direitos Humanos se coloca como uma crueldade ao conjunto de trabalhadores agredidos e violentamente massacrados. Nossa rejeição é total junto a este fato e nós convocamos a sociedade brasileira a reagir para o restabelecimento e garantia dos Direitos Humanos em poder viver”, avalia Matheus, representante do Fundo Dema, cujo nome homenageia a trajetória de militância de Ademir Federicci, popularmente conhecido como Dema, assassinado em 2001, em meio à liderança de um grande movimento social de resistência à construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, na região da Transamazônica, Oeste do Pará.
Unidade da luta contra a violência no campo
Além de analisar a preocupante situação de violações de Direitos Humanos no meio rural, a reunião entre integrantes dos movimentos sociais, ocorrida na última segunda-feira (29), resultou na formação do Comitê Paraense de Combate à Violência no Campo. A ideia é que o Comitê potencialize articulações contínuas na luta pela democratização do acesso à terra e pela Reforma Agrária. No entanto, com a chacina ocorrida em Pau D’Arco, os/as militantes deliberaram ações imediatas para exigir a responsabilização do Estado e a punição dos criminosos.
Entre as atividades acordadas, nesta quarta-feira (31), data em que completa o sétimo dia do assassinato das dez pessoas na fazenda Lúcia, um ato público será realizado em Belém para exigir justiça diante do caso. Outra ação a ser construída brevemente é a realização de um grande seminário em caráter nacional, a ocorrer em meados de junho, na capital paraense. Além disso, em parceria com o Ministério Público Federal, com a Defensoria Pública, a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH) e a CPT, o Comitê Paraense de Combate à Violência no Campo fará denúncias junto à Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da Organização das Nações Unidas (ONU).
Vigília pela Democracia e Contra a Violência no Campo
| Belém
Data: 31 de maio (sexta-feira)
Hora: a partir de 17 horas
Local: Em frente ao Tribunal de Justiça do Estado do Pará, localizado na Av. Almirante Barroso, entre as avenidas Júlio César e Dr. Freiras.
| Santarém
Data: 31 de maio (sexta-feira)
Hora: a partir de 19 horas
Local: Praça da Matriz, no centro da cidade.