Fundo Dema: 20 anos de luta em defesa da Justiça Climática e Socioambiental na Amazônia

O Dia Mundial do Meio Ambiente, 5 de junho, também se faz um marco na história do Fundo Dema. Foi nesta data que, em 2003, foi assinado o Termo de Doação com Encargo, o documento que oficializa a doação, aos movimentos sociais da Transamazônica/Xingu(PA), de 6 mil toras de mogno, equivalentes a 14,7 mil m³, apreendidos na região da Terra do Meio, no ano de 2001.

O crime ambiental, de grande repercussão midiática à época, provocou forte mobilização dos movimentos sociais da região, que reivindicaram ao IBAMA a doação da madeira, para que as toras de mogno tivessem um destino adequado, ao passo que comumente as apreensões de madeira derrubadas ilegalmente eram destinadas a leilões, onde os próprios criminosos era os únicos financeiramente capacitados para adquirir os mognos e acabavam comprando as toras novamente. Nesse ciclo de corrupção, a madeira passava a ser legalizada e acabava por ser vendida a lucros exorbitantes, dando continuidade à exploração predatória. Os leilões funcionavam como um mecanismo de regularização da madeira ilegal.

“O mogno se tornou um símbolo mundial do saque à Amazônia, ao patrimônio ambiental e aos cofres públicos. Os lucros dessas operações criminosas ficam nas mãos de uma verdadeira máfia que hoje, infelizmente, ocupa, nas regiões produtoras, o vazio deixado pela ausência do Estado”, diz o trecho de uma carta assinada por um conjunto de organizações sociais, entre elas, a FASE, endereçada ao Presidente da República, à época Fernando Henrique Cardoso.

“Inicialmente pensamos em pedir a doação das toras de madeira para a construção de casas para a

À época, a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE) foi a organização escolhida pelos movimentos sociais, representados pelo Movimento Pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu (MDTX), para ser beneficiária e requerer a doação de todo o mogno apreendido. A solicitação fora feita, então, por Maria Emília Pacheco, em 4 de maio de 2003, quando ainda era diretora da FASE. Um mês depois, o Termo de Doação com Encargo era assinado entre a FASE e o IBAMA.

Naquele mesmo dia, 05 de junho de 2003, o Decreto nº 4.722, assinado pelo presidente Lula, proibia a derrubada de árvores de mogno por um período de cinco anos, mesmo em áreas autorizadas, sendo permitido somente sob a forma de manejo sustentável florestal.

Em 02 de julho de 2003, a FASE, representada por Matheus Otterloo, assinava um termo de parceria com a empresa CIKEL, dando providências à implementação do Termo de Doação com Encargos. Três dias depois, em 05 de julho do mesmo ano, mais um Termo de Parceria era firmado, desta vez entre a FASE e a Fundação Viver, Produzir e Preservar (FVPP), estabelecendo responsabilidades cabíveis a cada organização, entre elas, a materialidade da criação e gestão do Fundo Dema.

Homenageando o grande militante Ademir Alfeu Federicci, o Dema, assassinado em agosto de 2001, em razão de sua luta em defesa da Amazônia, o Fundo passou a acolher o recurso financeiro, cujos rendimentos são voltados ao apoio de projetos comunitários de povos indígenas, quilombolas, agroextrativistas e agricultores/as familiares da Amazônia, como forma de indenizá-los pelos danos socioambientais ocasionados pela derrubada das 6 mil toras de mogno.

Em defesa da Justiça Climática e Socioambiental

Hoje, passados 20 anos de criação, o Fundo Dema continua a fortalecer as famílias do campo, das florestas, das águas e das cidades em defesa de seus territórios, da segurança alimentar e nutricional, promovendo práticas agroecológicas, autonomia econômica e processos de resistência pelo bem viver.

Desde sua criação, a FASE tem sido a organização juridicamente responsável pelo Fundo Dema, que é gerenciado de forma coletiva por um Comitê Gestor formado por organizações das áreas de atuação do Fundo, que inicialmente reunia as regiões da Transamazônica/Xingu, BT 163/Tapajós, Baixo Amazonas e Nordeste Paraense/Baixo Tocantins, no Pará. Atualmente, o Fundo Dema soma à sua área de atuação, os estados do Maranhão e Mato Grosso, que integram a Amazônia Legal.

Outro destaque são os Fundo específicos que o Fundo Dema ajudou a criar, entre eles, o Fundo Quilombola Mizizi Dudu, o Fundo Autônomo de Mulheres Rurais da Amazônia Luzia Dorothy do Espírito Santo e o Fundo Socioambiental Barcarena e Abaetetuba, os quais têm o objetivo de potencializar articulações políticas coletivas em defesa da igualdade de direitos sociais, ambientais, econômicos e territoriais.

Diante da ofensiva do capital nos territórios das populações tradicionais, o Fundo Dema se apresenta enquanto alternativa para o fortalecimento da luta e do protagonismo dos povos da Amazônia em defesa da justiça climática e socioambiental.

Neste percurso, que vai na contramão da exclusão e marginalização das populações tradicionais, o Fundo Dema chega aos 20 anos de história com 624 projetos apoiados, por meio de 23 editais e oito Chamas Públicas lançadas, tendo beneficiado 920 comunidades, 23.515 famílias e 113.423 pessoas.

Por meio da campanha Permanente de Plantio de Árvores ‘O Fundo Dema Planta Vida na Amazônia’, já soma mais de 1 milhão de mudas plantadas em áreas definitivas e mais de 53 mil hectares de áreas recuperadas. Nos últimos anos têm se ampliado iniciativas que combinam o manejo agroflorestal com a diversificação de sistemas produtivos de alimentos e com uso de tecnologias sustentáveis como consórcios de culturas, roças sem queima, controle biológico de insetos sem uso de agrotóxicos, manejo e adubação orgânica do solo, entre outras. Estes resultados vêm demonstrando a potencialidade das ações comunitárias de enfrentamento às ameaças provocadas pela exploração econômica sobre os territórios tradicionalmente ocupados.

Visão de Futuro

Os desafios são enormes, mas a luta se torna menos difícil porque é feita coletivamente. De acordo com Graça Costa, presidenta do Fundo Dema, para os próximos anos, a atuação do Fundo será subsidiada por diversas estratégias, entre elas: a consolidação dos fundos comunitários, em especial quilombola, de mulheres e contribuição para a criação de um fundo indígena; a ampliação do acesso de organizações comunitárias a meios e recursos para a implementação de ações voltadas à justiça climática e socioambiental; concessão de suporte técnico para a melhoria das capacidades organizativas das organizações apoiadas; a contribuição para o fortalecimento de fundos comunitários na Amazônia e ainda o cumprimento do papel estratégico do Fundo Dema frente ao empoderamento do Comitê Gestor enquanto instância central de governança.

“