Fundo Dema inicia celebração de 20 anos, em Altamira (PA)
Por Élida Galvão
Comemorando histórias de afeto e resultados da luta e resistência dos povos da floresta, do campo, das cidades e das águas em defesa da Amazônia, o Fundo Dema iniciou as celebrações de seus 20 anos no território em que foi originado. Altamira (PA), na região da Transamazônica, foi palco de um lindo evento intitulado Fundo Dema 20 anos: um chamado dos povos da Amazônia por justiça socioambiental e climática, tendo reunido cerca de 200 convidados/as que prestigiaram e rememoraram a trajetória deste Fundo de Justiça Socioambiental e Climática. A cerimônia foi realizada na Casa da Cultura, na última quarta-feira (24.05), com um público potente, formado, em sua maioria, por agricultores/as familiares, agroextrativistas, comunidades quilombolas e povos indígenas.
A noite de comemorações foi iniciada ao som da Banda Municipal de Altamira e contou também com apresentações da Escola Municipal de Dança de Altamira, do Estúdio de Dança Thais Fima e do Grupo de Teatro Cia Nós tantos. O primeiro momento foi formado por uma mesa de convidados, onde estiveram representantes de diversas organizações dos movimentos sociais e instituições públicas
Ao abrir a cerimônia, Graça Costa, presidenta do Comitê Gestor, destacou o momento enquanto resgate de memórias em torno da trajetória do Fundo Dema. “Hoje teremos uma contação de história, o relato de cada pessoa que colocou um tijolinho nestes 20 anos da história do Fundo Dema. Esta é uma data muito importante em que celebramos com alegria as vitórias de mais de 700 projetos apoiados nessa trajetória”, disse.
Em vídeo, Matheus Otterloo, relembrou a atuação de diversas organizações na fundação e construção da trajetória do Fundo. De acordo com o ex-Presidente do Comitê Gestor e atual assessor do Fundo Dema, “este conseguiu estabelecer uma priorização tanto para os povos originários, quanto para os quilombolas e as mulheres. Os resultados expressados ao longo destes 20 anos, com mais de 300 projetos executados, quase 2 mil comunidades alcançadas, mais de 10 mil famílias beneficiadas e uma presença que se espalhou na Amazônia, consideramos um ponto de chegada, mas mais do que isso, é um ponto de nova partida, onde novos desafios se demonstram, onde permanece a necessidade de combater e a fome e de valorizar ao máximo as condições de vida dos povos da Amazônia”.
Sara Pereira, coordenadora da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE) Programa Amazônia, destacou o legado de Dema enquanto inspiração para a atuação coletiva. “São 20 anos de conquista e luta, que foi a constituição do Fundo e de homenagens a essa liderança tão importante para nós, que é o Dema. A gente vem celebrar a memória e legado de luta dele, que representa cada um e cada uma de nós”.
Para Sara, a celebração dos 20 anos do Fundo Dema representa a celebração de uma diversidade de povos que resiste, persiste, insiste e que diz que na floresta tem vida, direito, justiça e muita luta. “Essa celebração quer também destacar essa experiência exitosa que tem sido o Fundo Dema. Hoje, diante do debate vigente com a questão climática e a preocupação do mundo se volta mais uma vez para a Amazônia, o Fundo Dema demonstra na prática que qualquer iniciativa que se pense para defender a floresta só terá sucesso se contar com o protagonismo dos povos da floresta. O Fundo ema é esse exemplo concreto de que proteger a floresta requer, antes de tudo, proteger os povos da floresta na defesa dos seus territórios, dos seus modos de vida, das suas culturas, garantir que essa pluralidade de povos tenha direito a uma vida digna, produzindo da sua maneira, no seu tempo, na sua lógica e não no perverso tempo do capital”, completa.
Relembrando a sua participação histórica frente à apreensão do mogno que originou a criação do Fundo Dema, o Professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), Rainério Meireles, comentou que o Fundo Dema tem um diferencial muito grande pela história construída. Segundo Meireles, “o Fundo Dema é um exemplo de recurso coletivo bem empregado. Um exemplo para o Pará, para a Amazônia e para o mundo. Isso porque, no momento o mundo está pedindo que o Brasil mude a forma de fazer agricultura, mude a forma de se relacionar com o meio ambiente”. De acordo com o professor, este Fundo serve de referência porque promove o desenvolvimento sem provocar dúvidas do quanto já contribuiu para a melhoria de vida da população. “O Fundo Dema também é um exemplo de organização de dinheiro do coletivo, pois durante esses 20 anos nunca vimos um escândalo sobre desvio de dinheiro. Diante disso, todos nós temos que sair daqui muito satisfeitos porque nós fazemos parte de uma grande história que hoje é referência para o mundo todo”, complementa.
Maria da Penha Federicci, viúva de Dema, se fez presente também e destacou que Dema foi uma semente lançada na terra e está brotada em muitas regiões. “Hoje tenho nove netos e estou feliz em viver ao lado dos meus filhos, que também foram sementes deixadas por Dema, pois minhas filham continuam atuando no Sindicato, recompensando o trabalho que o pai tinha. Deixo meus parabéns ao Fundo Dema e todas as pessoas que lutam à frente dele com transparência e carinho”.
Memórias e perspectivas
Conduzindo o segundo momento da programação, Ana Paula Souza, a Paulinha, como é conhecida a professora da Universidade Federal do Pará (UFPA) e representante da Fundação Viver, Produzir e Preservar (FVPP), em Altamira, relatou o histórico de criação do Fundo Dema, desde as denúncias e mobilização dos movimentos sociais até sua fundação. “À época era proibido corte e comercialização de mogno no país e ao discutir o que a gente ia fazer com 6 mil toras de mogno, pensamos em construir casas para quem morava em áreas alagadas de Altamira. Mas, no meio do caminho mudamos de ideia porque o governo queria queimar as toras de madeira alegando que tudo o que era apreendido pela polícia, tinha que ser destruído. Com isso, nos mobilizamos para solicitar a doação da madeira [nesse tempo acabara de ocorrer a transição do governo de Fernando Henrique Cardoso para o primeiro mandato do governo Lula], e a então Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, não permitiu que as toras fossem queimadas”, relatou.
A partir daí, deu-se início a todo o processo burocrático de doação da madeira, seu beneficiamento, escolha da entidade responsável pela administração dos recursos, no caso, a FASE, e criação do Fundo Dema. “Essa foi uma experiência muito ousada para todos nós e por isso ninguém acreditava que a gente era capaz. Aquele dinheiro que o Governo nos deu há 20 anos, hoje continua tendo o mesmo valor, porém corrigido. É somente este rendimento com o qual já apoiamos mais de 600 projetos, com investimento de mais de 12 milhões de reais. Além disso, a dinâmica de funcionamento do Fundo Dema trabalhado na coletividade é o seu diferencial”, pontuou Paulinha, destacando a gestão do Fundo por meio de um Comitê Gestor.
Graça Costa ressaltou que a experiência do Fundo Dema já inspirou a criação de outros Fundo na Amazônia. “Vários outros Fundos já se constituíram na Amazônia e fora do Brasil, inspirados na história do Fundo Dema. Temos recebido muitas informações e temos participado de momentos de intercâmbio com outras organizações e populações que constituíram seus Fundo. Chegou um momento em que dizemos que o Fundo Dema não se basta. Ele não atua nessa luta sozinho, há outros Fundos que nascem dessa luta pelos direitos dos povos e dos territórios”.
Ao fim da programação, todos e todas se voltaram aos parabéns e receberam, da educadora Vânia Carvalho, uma cesta com produtos personalizados em comemoração aos 20 anos de Fundo Dema.
Ente os convidados e organizações representadas na celebração estiveram: Antônia Melo, do Movimento Xingu Vivo para Sempre; Ana Flávia, da Comissão Pastoral da Terra – Prelazia de Itaituba; Mônica Brito, Coletivo de Mulheres Negras de Altamira; João Batista Pereira, da Fundação Viver Produzir e Preservar (FVPP); Everaldo Amorim, do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Altamira; Edizângela Barros, da Diocese de Altamira; Edson Moura, da Associação Regional das Casas Familiares Rurais de Altamira (ARCAFAR); Luís Xipaya, da FUNAI em Altamira; Maria de Lourdes do Nascimento, do Fundo Socioambiental Barcarena e Abaetetuba; Luiza de Marillac, do Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais de Altamira Campo e Cidade; Ademir Venturim, da Cooperativa Agroindustrial da Transamazônica (COOPATRANS); Haroldo Oliveira, da Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Altamira; Jackson Dias, do Movimentos dos Atingidos por Barragens (MAB).