Indígenas Munduruku dizem como deve ser consulta prévia no Tapajós
Eles aprovaram protocolo sobre consulta em relação a hidrelétricas e condicionaram diálogo à demarcação de terra tradicional
Por Élida Galvão
Fundo Dema
Os Munduruku se reuniram em assembleia e aprovaram um protocolo de consulta prévia que diz como eles querem ser ouvidos diante da chegada de projetos hidrelétricos no Rio Tapajós, no Pará. “O governo não pode nos consultar apenas quando já tiver tomado uma decisão. A consulta deve ser antes de tudo”, destaca um trecho do documento. O texto, aprovado por 600 participantes, destes 102 caciques do alto e médio Tapajós, pede para que o governo prove “sua boa fé” em querer o diálogo, demarcando e homologando a Terra Indígena Sawré Muybu.
O território passa, desde outubro, por um processo de autodemarcação, devido ao fato da Fundação Nacional do Índio (Funai) não ter publicado o Relatório Circunstanciado Integrado, colocando limites no local.
O protocolo dos Munduruku apresenta uma metodologia a ser utilizada nas reuniões de consulta prévia: “eles [agentes do governo] não devem chegar à pista de pouso, passar um dia e voltar. Eles têm que passar com paciência com a gente. Eles têm que viver com a gente, comer o que a gente come. Eles têm que ouvir a nossa conversa”, destacou o texto, aprovado nos dias 13 e 14 de dezembro na aldeia Sai Cinza, próximo do município de Jacareacanga, no sudoeste paraense.
Mobilização por direitos
O protocolo afirma também que nenhuma associação nem vereadores indígenas representam a totalidade do povo Munduruku: “Os Munduruku de todas as aldeias – do Alto, Médio e Baixo Tapajós – devem ser consultados, inclusive daquelas localizadas em terras indígenas ainda não demarcadas (…) As nossas organizações (Conselho Indígena Munduruku Pusuru Kat Alto Tapajós – Cimpukat, Da’uk, Ipereg Ayu, Kerepo, Pahyhy, Pusuru e Wixaxima) também devem participar, mas jamais podem ser consultadas sozinhas. Os vereadores Munduruku também não respondem pelo nosso povo. As decisões do povo Munduruku são coletivas”, registra o documento.
O texto vinha sendo discutido desde setembro de 2014 em oficinas nas aldeias Waro Apompu e Praia do Mangue. A elaboração contou com a assessoria do Ministério Público Federal (MPF) no Pará, do programa da FASE na Amazônia e de outras organizações integrantes do Projeto Convenção 169. A mesma equipe assessorou na formulação de um protocolo, similar ao dos Munduruku, feito por ribeirinhos da comunidade de Montanha e Mangabal, também no Tapajós.
O indígena Sandro Saw Munduruku diz que seu povo deseja respeito. “A gente tá lutando pelos nossos direitos. A gente decidiu fazer o protocolo de acordo com a nossa crença. O governo tem que fazer consulta prévia respeitando a nossa crença. O que a gente decidir, ele tem que respeitar a nossa decisão”, diz ele, liderança na aldeia Restinga e estudante do Ibaorebu, projeto de formação técnica e superior para os Munduruku.
Contra a opressão
Outro ponto é a critica à presença de forças armadas durante a consulta. Os Munduruku dizem que não aceitarão dialogar sob a mira da polícia, como aconteceu nas audiências sobre a hidrelétrica de Belo Monte, também no Pará. “Para que a consulta seja realmente livre, não aceitaremos pariwat (não índios) armados nas reuniões (Polícia Militar, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Exército, Força Nacional de Segurança Pública, Agência Brasileira de Inteligência ou qualquer outra força de segurança pública ou privada). Nós usamos arco e flecha porque faz parte da nossa identidade e não diretamente para guerrear”, afirmam.
Mobilização e respeito à cultura
Os indígenas reivindicam que as reuniões de consulta prévia sejam em locais escolhidos por eles e na língua Munduruku, com o auxílio de tradutores: “Nossos saberes devem ser levados em consideração, no mesmo nível que o conhecimento dos pariwat. Porque nós é que sabemos dos rios, da floresta, dos peixes e da terra. Nós é que coordenaremos as reuniões, não o governo”.
Sobre a acusação de os Munduruku não quererem dialogar sobre os megraprojetos no Tapajós, Sandro Saw Munduruku esclarece que o eles não queriam era um modelo pronto de consulta, que não respeitasse suas tradições e forma de organização. “O governo disse que ia fazer um diálogo inédito com o povo Munduruku, de acordo com a legislação, com a nossa crença e respeitando a nossa decisão. Só que por trás o ministro Gilberto Carvalho [ex-ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência] fala que o Munduruku não quer diálogo com o governo brasileiro. A gente tá aqui dizendo que é mentira. A gente já elaborou nosso protocolo dizendo que a consulta prévia tem que ser com todo mundo, as crianças, velhos, pajés, sem excluir ninguém. Só que o governo parece não querer isso”, explica.
A consulta prévia, livre e informada está prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), assinada pelo Brasil. No caso da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, projetada para o oeste do Pará, uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) também obriga o governo a consultar os indígenas sobre o empreendimento.