Lideranças de movimentos sociais do Pará discutem o enfrentamento às diversas formas de violência contra a mulher
Por Tatiana Ferreira Reis*
A Fase Amazônia e o Fundo Dema realizaram, no último dia 13 de novembro, a oficina “Por um cidade que nos mantenha vivas e um território que nos pertença”. Participaram mulheres representantes de diversos movimentos sociais de Belém e de territórios tradicionais dos municípios de Abaetetuba, Ananindeua, Bragança, Capanema, Igarapé-Miri e Moju, todos localizados no Pará.
Além da violência física, psicológica, jurídica e patrimonial enfrentada pelas mulheres nas relações sociais, conjugais e familiares, o evento também abordou a violência ambiental, territorial e racial que causa grandes afetações nas vidas das mulheres em territórios amazônicos, geralmente causadas por grandes projetos de infraestrutura, mineração e agronegócios.
Durante a manhã, feministas de várias gerações fizeram relatos sobre experiências pessoais e narraram suas trajetórias de luta no combate à violência contra a mulher. “A conjuntura brasileira e a vida das mulheres” foi o tema da primeira roda de conversa do dia. Domingas Martins, do Grupo de Mulheres Brasileiras (GMB), contou sobre o início da sua luta nos anos 1970, após enfrentar episódios de violência doméstica. “Não podemos retroceder na luta, como tem acontecido em diversas partes do mundo. Precisamos retomar a conquista das mulheres que ainda não participam do movimento por nossos direitos. O papel da Fase realizando as formações voltadas às mulheres tem sido importante nesse sentido”, avaliou.
Daniela Araújo, vice-presidente da Associação dos Agroextrativistas, Pescadores e Artesãos do Território Pirocaba (ASAPAP), em Abaetetuba, contou sobre as dificuldades enfrentadas por mulheres que sofrem violência nos territórios amazônicos, onde o acesso às instituições e às redes de apoio é precário. “Estar aqui neste espaço hoje é um grande desafio porque temos inúmeras trabalhos no território e precisamos superar as distâncias. Mas sabemos que é fundamental encontrar as companheiras e discutir a violência. Antes das formações da FASE, a gente não confrontava o machismo porque ele era normalizado no território. Só então percebemos que estava tudo errado. Não é daquele jeito opressivo que a gente quer que as mulheres vivam. Gostaria de lembrar também como é importante esta rede de apoio que temos aqui porque são sempre as mulheres que cuidam das mulheres. Isso ocorre na cidade e nos territórios também”, explicou Daniela.
Maiana Maia, do Núcleo de Políticas Alternativas da FASE, no Rio de Janeiro, lembrou que a luta pela preservação do meio ambiente é majoritariamente construída por mulheres que lutam pelo direito à terra, à água e aos outros bem comuns. “Pra onde a gente olha, as mulheres estão no front das lutas coletivas e a história delas se mistura com a história da FASE. Por isso sabemos que é fundamental fortalecer as redes de cuidado, de forma mais emergencial, e também discutir políticas que possam vencer a persistência da violência contra a mulher na sociedade”, observou.
As lideranças de movimentos sociais contribuíram com todos os debates ao longo do dia, compartilhando suas experiências pessoais e trajetórias de enfrentamento à violência contra a mulher. Participaram integrantes do Instituto Ubuntu, Centro de Estudos e Defesa do Negro no Pará (Cedenpa), Grupo de Mulheres Brasileiras (GMB), Fórum de Mulheres da Amazônia Paraense (FMAP), Movimento Elzas de Ananindeua e Movimento de Mulheres do Nordeste Paraense (MMNEPA).
Durante a tarde, a oficina abordou o tema “Fluxos de acolhimento, atendimento e outros modos de enfrentamento às violências contra as mulheres”, com participação das advogadas Luanna Tomaz, da Clínica de Atenção à Violência da UFPA, e Beatriz Levy, integrante da Rede Amazônica de Política para as Mulheres. Luanna Tomaz, explicou sobre o trabalho realizado na clínica, integrando as áreas do direito, serviço social e psicologia no atendimento às vítimas de violência. A professora também falou sobre a feminização da pobreza e alertou quanto à problemática das ameaças às defensoras dos direitos humanos na Amazônia.
Beatriz Levy falou sobre o esforço necessário para que as vítimas de violência sejam percebidas como sujeitos de direitos e não como objetos de tutela do estado. “Quanto aos fluxos de atendimento, precisamos compreender que nem sempre a porta de entrada dessas mulheres será o sistema de segurança, até porque temos poucas delegacias especializadas no Pará, na minoria dos municípios. Por isso precisamos fortalecer os cuidados em toda a rede, incluindo ministérios públicos, defensorias públicas e o Sistema Único de Saúde (SUS)”, alertou a advogada.
As dinâmicas da oficina “Por uma cidade que nos mantenha vivas e um território que nos pertença” foram conduzidas pelas educadoras da FASE Amazônia e do Fundo Dema, Jaqueline dos Santos e Beatriz Luz, com apoio da coordenadora da FASE Amazônia, Sara Pereira. Além de articular as diversas instituições e movimentos sociais participantes, a iniciativa promoveu reflexões importantes que conectam a problema da violência contra a mulher, o combate ao racismo e à LGBTQIA+fobia e as questões socioambientais específicas do contexto amazônico.
*Jornalista e Pesquisadora do NAEA/UFPA