MPF quer celeridade na regularização de territórios de comunidades quilombolas
Processos chegam a durar décadas. STJ e TRF1 já se posicionaram sobre a possibilidade de fixação, pelo Poder Judiciário, de prazo razoável para processos de demarcação de terras
Foto: Carlos Penteado – Divulgação: Comissão Pró-Índio de SP
O Ministério Público Federal (MPF) na 1ª Região quer a celeridade da Administração Federal nos processos de regularização e titulação de territórios de comunidades quilombolas. Os processos se arrastam por anos, em alguns casos décadas, prejudicando direitos fundamentais inerentes a essas populações. Para o órgão, as violações atacam princípios da Constituição Federal, entre eles, da legalidade, da eficiência e da razoável duração do processo e ensejam situações de dano moral coletivo, indenizações e multas.
É o caso das comunidades de Lagoa dos Índios, no Amapá, do Alto Trombetas, no Pará, do Barro Vermelho, no Maranhão, e do Quilombo da Caçandoca, em São Paulo. Em quatro pareceres distintos, o procurador regional da República Felício Pontes Jr. destaca a não conclusão dos processos administrativos de titulação de território quilombola junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) iniciados há mais de dez anos e pede celeridade no processo. Para o procurador, a mora da Administração viola direitos fundamentais da comunidade quilombola, uma vez que a falta de regularização fundiária impede a aplicação de uma série de políticas públicas, como saúde e educação, já que são condicionadas ao reconhecimento territorial, além de impedir a própria sobrevivência das comunidades.
“É fato que a titulação de terras quilombolas no Brasil vem caindo vertiginosamente. São raros os casos nos últimos anos de publicações de RTIDs e de Portarias de Reconhecimento”, afirma o procurador, em parecer referente ao Processo 0004405-91.2013.4.01.3902/PA, sobre o procedimento de reconhecimento da comunidade quilombola de Alto Trombetas (PA) iniciado em 2004. Somente em 2008 foi constituído um grupo de trabalho para a confecção do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), concluído em 2011, pendente, então, apenas a publicação, o que até o momento não aconteceu.
Situação similar vive a comunidade quilombola de Lagoa dos Índios (AP) relativo ao processo 0000024-50.2015.4.01.3100/AP. O processo administrativo para a identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pela comunidade foi instaurado em 2004, sem sua finalização até a presente data. Segundo o MPF, a omissão do Incra e da Fundação Cultural Palmares (FCP), envolvidas na ação, é clara violação aos princípios da legalidade, da eficiência e da razoável duração do processo (artigos 37, caput, 5º, LXXVIII, da Constituição Federal).
“Essa constatação leva a população quilombola, no mais das vezes via MPF, buscar um provimento judicial. Com efeito, a demora na condução dos procedimentos ofende princípios básicos da Administração pública, em relação a eficiência, a legalidade e da moralidade, com grave comprometimento do direito fundamental à duração razoável do processo administrativo”. Segundo Felício Pontes, nenhum prazo foi respeitado pelo Incra, no caso concreto, e nos últimos 27 anos, o instituto concluiu cerca de 3% da demanda de regularização quilombola. São mais de 1.200 processos administrativos nos escaninhos da autarquia federal.
Na ação referente a Lagoa dos Índios (AP), o procurador pede o provimento de recurso do próprio MPF, para que seja arbitrado dano moral coletivo. A apelação, interposta pelo Incra e pela FCP, é contra a sentença do primeiro grau que os condenou na obrigação de concluir o processo administrativo de delimitação e demarcação da área da comunidade no prazo de 2 anos.
O imbróglio em relação a titularidade de áreas quilombolas afeta a prestação de serviços públicos, como acontece com o povoado de Barro Vermelho, no município de Chapadinha (MA). A União, a Centrais Elétricas Brasileiras S/A e a Companhia Energética do Maranhão (Cemar) foram condenadas a adotar medidas para a implantação do programa Luz para Todos na localidade. Em apelação, a Cemar alega que o fornecimento de energia elétrica passa necessariamente pela regularização da titularidade da área, que encontra-se em andamento no Incra.
O MPF requereu o desprovimento da apelação, por entender que a distribuição de energia elétrica constitui verdadeiro poder-dever da Administração Pública para a prestação de serviços públicos, devendo adotar as providências que a lei lhe confere para a efetivação do interesse público.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se posicionou sobre a possibilidade de fixação, pelo Poder Judiciário, de prazo razoável para que o Poder Executivo proceda à demarcação de terras indígenas, cujos fundamentos, por analogia, podem ser aplicados no caso de demarcação de terras quilombolas. E o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) já definiu, tendo em vista o caso do território quilombola de Trombetas (PA) que há necessidade de determinação de prazo razoável para conclusão do processo.
Entenda o processo de regularização de territórios quilombolas – O Decreto nº 4.887/03, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos, transferiu do Ministério da Cultura (Fundação Cultural Palmares) para o Incra a atribuição para a regularização dessas terras, por meio da Diretoria de Ordenamento da Estrutura Fundiária, da Coordenação Geral de Regularização de Territórios Quilombolas (DFQ) e, nas Superintendências Regionais, dos Serviços de Regularização de Territórios Quilombolas.
Com base na Instrução Normativa 57, do Incra, de 20 de outubro de 2009, cabe às comunidades interessadas encaminhar à Superintendência Regional do seu estado uma solicitação de abertura de procedimento administrativo, apresentando a Certidão de Registro no Cadastro Geral de Remanescentes de Comunidades de Quilombos, emitida pela Fundação Cultural Palmares.
A primeira parte dos trabalhos do Incra consiste na elaboração de um estudo da área, destinado à confecção do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) da terra. Uma segunda etapa é a de recepção, análise e julgamento de eventuais manifestações de órgãos e entidades públicas e contestações de interessados. Aprovado em definitivo esse relatório, o Instituto publica uma portaria de reconhecimento que declara os limites do território quilombola.
A fase seguinte do processo administrativo corresponde à regularização fundiária, com desintrusão de ocupantes não quilombolas mediante desapropriação e/ou pagamento de indenização e demarcação do território. O processo culmina com a concessão do título de propriedade à comunidade, que é coletivo, pró-indiviso e em nome da associação da comunidade da área, registrado no cartório de imóveis, sem qualquer ônus financeiro para a comunidade beneficiada.
Em suma, pode-se visualizar as seguintes fases: