Projetos apoiados trocam experiências em ação de monitoramento do Fundo Dema
Oito projetos da região metropolitana de Belém, apoiados por meio do Edital Cidades Amazônicas, se reúnem para falar de seus resultados
Por Élida Galvão
Intercambiar experiências foi um dos principais objetivos do Encontro de Monitoramento e Avaliação dos projetos apoiados no Edital Cidades Amazônicas: Floresta Viva em Movimento, realizado pelo Fundo Dema em parceria com Open Society. A atividade foi realizada no período de 30 de março a 1º de abril, envolvendo organizações que estão executando projetos apoiados na região metropolitana de Belém (PA).
A programação contou com diálogos em torno da conjuntura e os desafios do clima na atualidade e visitas a projetos apoiados. Simy Corrêa, coordenadora do Fundo Dema, afirmou que as iniciativas apoiadas fazem um enfrentamento ao modelo de destruição capitalista nos territórios e protagonizam a luta em defesa da sociobiodiversidade e da justiça climática seja no campo, nas florestas, nas águas ou nas cidades.
“De um lado estão os projetos apoiados pelo Fundo Dema, disputando um projeto de vida, de outro estão os projetos de morte, que são todas as problemáticas apontadas aqui, de diversas ordens e natureza, sobretudo pela mão do Estado. Sabemos que o fundo do debate climático tem cor, gênero e classe. É interessante ver como cada projeto desvela muita coisa desse debate, onde nós, tanto quanto a natureza, acabamos nos tornamos não sujeitos, objetos a serem apropriados ou eliminados”, diz Simy.
Convidado ao diálogo, Guilherme Guerreiro, jornalista e pesquisador do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA), da Universidade Federal do Pará (UFPA), falou sobre a semeadura das iniciativas coletivas em torno da descolonialidade e das relações de opressão provocadas pelo capitalismo. “O projeto colonial e capitalista trabalha desde sempre com a desvinculação, tenta quebrar o vínculo em vários sentidos, seja entre as pessoas, delas com os seus territórios, com o meio ambiente; e cada projeto comunitário refaz tudo. É uma refazenda de floresta na cidade. O trabalho de escuta se perde, muitas vezes, quando a gente não tem esse vínculo de escuta com o rio, de conhecimentos que são desprezados, escuta dos quintais e também da cosmovisão, no sentido de escutar os mundos que não são escutados numa lógica capitalista”.
Ao todo, o Fundo Dema apoia 29 projetos pelo Edital Cidades Amazônicas Floresta Viva em Movimento, destes, oito estão localizados na região metropolitana de Belém. Voltados à defesa do meio ambiente, à democratização da comunicação, da cultura e da saúde coletiva com o resgate da ancestralidade, todos os projetos estiveram representados durante a programação de avaliação e monitoramento.
Democratizando a comunicação
Em visita ao Acampamento Terra Cabana, localizado no município de Benevides, os participantes puderam conhecer um pouco mais sobre o projeto Rádio comunitária Severa, realizado pela juventude do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O projeto atua na democratização por meio de uma rádio comunitária instalada na escola local. “A ideia é fortalecer o coletivo de juventude do acampamento e seu movimento com o território por meio da rádio, que tem um potencial mobilizador e transformador. A proposta é voltada para quem não tem voz na sociedade, as mulheres, negros e negras, a juventude, a população GLBTQIA+, agricultores e agricultoras”, diz Andrio Vieira, do MST.
De acordo com o militante o nome da rádio homenageia Severa, uma mulher negra, escravizada, morta brutalmente e invisibilizada pela historiografia oficial, mártir de um movimento abolicionista chamado Quilombo Abolicionista, em Benevides, que considerada uma das primeiras cidades a abolir a escravatura, antes da oficialização da abolição em 1888. “Se essa ocupação tem esta história e Benevides tem muitos pretos e pretas, então tem tudo a ver com a nossa rádio”, diz Andrio, que fala também sobre a importância de promover o empoderamento dos camponeses e camponesas por meio da democratização da comunicação. “A gente quer que as famílias que lutam por essa terra sejam o governo popular desse território e a comunicação para o MST é fundamental. Temos que ocupar este latifúndio, fazer reforma agrária no ar para que mais pessoas tenham acesso a uma comunicação popular, que atenda as demandas dos territórios e das populações que têm enfrentado os abusos do capital. O apoio do Fundo Dema amplificou isso e potencializou o nosso trabalho”, completa.
Promovendo saúde com resgate do conhecimento tradicional
Localizado na Ilha de Cotijuba, precisamente na comunidade Pedra Branca, que abrange as praias da Pedra Branca, do Seringal e Poção, o projeto sociocultural Capim Santo – Plantas e Receitas de Cura, como o próprio nome diz, atua numa perspectiva de promoção da saúde a partir do resgate do conhecimento ancestral e da medicina tradicional. Realizada pelo Templo de Umbanda Caboclo Rompe Mato, a iniciativa se propõe a fazer o resgate de receitas de remédios caseiros para a produção de uma cartilha sobre plantas nativas da Ilha e suas formas de uso medicinal, para a distribuição gratuita à comunidade e ampla divulgação virtual.
“Estamos em uma comunidade em que 96% da população se declara evangélica. A nossa casa é a única casa afro-indígena da área mais alta de Cotijuba. A gente conseguiu chegar aos quintais do mais velhos, saber como eles cultivam suas ervas e plantas e como os evangélicos mantém a sabedoria popular para a medicina, como eles se curam com as plantas. A primeira fase do [projeto] Capim Santo é uma cartilha impressa sobre plantas e receitas que curam”, afirma Raphaela Oliveira, do Templo de Umbanda Caboclo Rompe Mato, que também informa ter reunido cerca de 40 receitas em meio à realização do projeto.
Conservando a biodiversidade com reavivamento de igarapé urbano
Intitulado O (Dis)curso da água, o projeto voltado à produção de um documentário sobre o rio São Joaquim, idealizado por jovens moradores de Belém, atua no campo da arte e do audiovisual fazendo denúncias e anúncios sobre a necessidade de uma intervenção do poder público, a preservação ambiental e a relação da sociedade com este aquele rio urbano, que perpassa por aproximadamente 20 bairros de Belém. Segundo Yago Costa, representante do Kuya Companhia de Arte, coletivo responsável pela produção do projeto apoiado pelo Fundo Dema, “aparentemente o rio São Joaquim está morto, não é mais chamado de rio, mas de canal e as pessoas não conseguem mais ter a percepção que aquele é um local rico”. De acordo com o jovem, hoje só é possível escutar as histórias de que nossos ancestrais conseguiam tomar banho naquele rio e beber aquela água.
Morando nas adjacências do São Joaquim, o jovem diz que o projeto também possibilita realizar atividades de formação política com a comunidade a partir de rodas de conversa e eventos culturais. “Eu passava todos os dias sobre aquelas pontes e não tinha essa noção que eu morava na frente de um rio. A gente traz uma ferramenta muito forte, que é o audiovisual. O nosso projeto é um documentário que fala sobre o rio, as problemáticas e as soluções do rio. A gente que mora ali não é escutado, mas a gente também tem soluções, porque a prefeitura e o Estado fazem qualquer coisa e não escutam os moradores. A gente fala sobre o rio, mas a gente precisa escutar o rio. E quem é o rio? Somos nós que estamos na Amazônia, na América Latina, que nos inspiramos em Abiayala. A gente precisa saber sobre o território em que a gente pisa, porque o nosso território é sagrado”, argumenta Yago.
Além destes, outros projetos estiveram presentes no encontro de monitoramento e avaliação, apresentando suas experiências, trocando conhecimentos e dialogando sobre as perspectivas e desafios das iniciativas. Também estiveram presentes os projetos: Eco artesanato: artesanato com fibras orgânicas e artesanato com materiais reciclados, do Coletivo de Artesãs; Espetáculo “Circo e Carimbó” circulando, do Coletivo Cia de Circo Nós Tantos; Sementes – Artivismo Ambiental, do Movimento de Mulheres das Ilhas de Belém (MMIB) em parceria com o Coletivo A Teia; Feminismo e resistência com prática do Bem Viver, do Grupo de Mulheres Brasileiras (GMB); OCADHANA – Observatório de Cultura Alimentar e Direito Humano à Alimentação e Nutrição Adequadas, da Rede Amazônica de Cultura Alimentar e Ponto de Cultura Alimentar Iacitatá.
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