Seminário debate as ameaças territoriais na Amazônia
Por Élida Galvão
Fundo Dema
Cada vez mais explorada pelo grande capital e com seus povos tendo os direitos incisivamente violados, a Amazônia tem sido alvo de grandes corporações que se apropriam de sua biodiversidade com objetivo de implantar projetos desenvolvimentistas. A complexidade deste processo foi debatida durante o Seminário “Amazônia – territórios e significados em disputa”, ocorrido em Belém (PA), durante os dias 09 e 10 de fevereiro.
Promovido pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), em parceria com a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE) – Programa Amazônia, o evento reuniu pesquisadores, acadêmicos, representantes dos movimentos sociais, lideranças comunitárias, grupos de mulheres, indígenas, quilombolas, entre outros, que dialogaram sobre os problemas enfrentados tanto com os grandes empreendimentos já concretizados, quanto com as ameaças projetadas para a região. O Fundo Dema esteve representado por Matheus Otterloo, coordenador da equipe e presidente do Comitê Gestor.
A temática abordada pelo seminário atraiu dezenas de pessoas que lotaram o principal auditório do Hotel Beira Rio
Durante o seminário, o geógrafo e professor na Universidade Federal Fluminense (UFF), Carlos Walter, destacou a complexidade da Amazônia frente às múltiplas culturalidades, os múltiplos tempos e espaços. “Não dá pra discutir a Amazônia ignorando que ela é parte de um sistema-mundo capitalista e colonizado. Esse sistema racializado queria colonizar quem não era branco e racializou também os indígenas. Portanto, esta é uma ciência voltada à exploração de índios, negros, mulheres e do trabalho, até”, analisa.
“Vive-se um momento de barbárie na Amazônia”. Fazendo analogia da colonização da Amazônia às invasões bárbaras, a socióloga e professora do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA), da Universidade Federal do Pará (UFPA), Edna Castro, destaca que a crise gerada a partir desta colonização está relacionada a um conceito desenvolvimentista baseado na exploração, no desperdício, na mais valia e violação de direitos. Para ela, “as políticas nacionais apostam na intensificação de commodities. Com isso, se amplia a quantidade de portos, estradas, ferrovias, hidrovias, construção de hidrelétricas. Esta é uma fase de destruição tão grande que jamais se conheceu na América Latina. A economia é insuficiente para se entender o tamanho da violência, da crise vivemos hoje”.
De acordo com Alfredo Wagner, antropólogo e professor na Universidade do Estado do Amazonas, a atual conjuntura brasileira exerce influência direta sobre as novas formas organizativas na Amazônia, sobre a noção de política e o padrão de relações políticas. “Vivemos em um momento do triunfamento do agronegócio (…) O fim do licenciamento agrada o agronegócio. Remover o licenciamento e aumentar o tamanho das barragens é um ato de genocídio”. Na opinião dele, a compreensão sobre a situação social se torna ainda mais difícil porque “perdeu-se o senso de justiça cidadã”.
Territórios ameaçados
Oferecendo grande potencial de biodiversidade, a Amazônia atrai empresas que chegam em uma dimensão tão poderosa que acabam por assumir força estatal. Levantando a questão, o Cientista Político e professor na Universidade Federal de Rondônia, Luiz Fernando Novoa, destacou a relação entre o Estado-Capital e o papel do financiamento a empreendimentos. “Os grandes projetos na Amazônia são pequenos poderes políticos privados. O Estado se amplia para o econômico. O consenso das commodities na Amazônia é mais profundo que outras regiões”, pontua.
Esquerda para a direita: Alfredo Wagner, Edna Castro, Guilherme Carvalho, coordenador da Fase Amazônia, e Carlos Walter
Relatando os constantes desafios frente às ameaças e a luta pela garantia dos direitos dos povos indígenas, Sônia Guajajara, representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), afirma que estes povos vivem em meio a uma disputa cruel. De acordo com ela, os indígenas vivem na pele as constantes ameaças capitalistas. “O monstro que tá chegando aí com toda a força, que vem por meio de hidrelétrica, que vem por meio de ferrovias, que vem por meio de estradas, de portos, mineração”, salienta.
Segundo Sônia, atualmente há 182 medidas em tramitação no congresso nacional que impactam negativamente os direitos dos povos indígenas. Destas, 19 tratam da flexibilização do licenciamento ambiental. Diante desta realidade os indígenas correm o sério risco de perder seus territórios. “Se a Lei muda, a gente perde o respaldo legal de fazer a luta e começamos a ser criminalizados. Agora a tentativa do governo Temer é de tirar a atribuição da FUNAI sobre a identificação dos territórios para o licenciamento ambiental. Esta é uma forma de diminuir nossa resistência”, desabafa.
Luta e Resistência
A cartografia social foi apresentada durante o seminário |
Morador da comunidade Pimental, localizada às margens do Rio Tapajós, na região da BR 163, no Pará, Risonildo dos Santos, expõe sua preocupação com a ameaça da construção da Usina Hidrelétrica São Luís do Tapajós. No lugar onde reside, cerca de 80% dos moradores são pescadores e pescadoras que dependem diretamente dos recursos que o rio oferece para sustentar suas famílias.
“As empresas chegavam aqui e com um GPS ficavam anotando tudo sem dizer nada pra gente. Nós não tivemos explicação de nada. Faziam até piada quando perguntávamos do que se tratava. Mas com a ajuda da CPT, do MAB e do Tapajós Vivo, a gente começou a perceber as ameaças e começamos a frear a entrada deles na comunidade. Hoje estamos mais orientados do que está acontecendo e sei que vai ser um desastre pra região inteira, caso a hidrelétrica seja construída”, destaca Risonildo.
Com a ajuda de pesquisadores da Universidade Federal e Estadual do Amazonas e por meio da Associação Comunitária dos Pescadores e Moradores de Pimental (ACPMP), os moradores produziram uma cartografia social da área em que a comunidade fica localizada, para que se pudesse ter a percepção da riqueza socioambiental existe na região. “A cartografia divulga o que tem na nossa comunidade, mostra a vida, os costumes, a cultura. O que temos aqui é muito forte para ser destruído”, diz Risonildo sobre a sua comunidade que está a dois quilômetros da projeção de uma das barragens e que será diretamente impactada, caso a proposta de construção da hidrelétrica se concretize.